31.10.23

O processo de construção socialista e nacional no Cazaquistão e na Ásia Central

 Conclusões atuais


Ainur Kurmanov, co-presidente do Movimento Socialista do Cazaquistão

Bandeira do Cazaquistão na era soviética.



Uma diferença notável na construção socialista no Cazaquistão e na Ásia Central é que ela ocorreu numa sociedade onde havia muitas relações de produção pré-capitalistas, tanto feudais como comunidades ancestrais. Essa peculiaridade do fraco desenvolvimento das relações capitalistas deixou a sua marca na política posterior do Estado soviético, que seguiu o caminho da criação de novas nações e entidades republicanas autônomas em tais condições.

De fato, estas periferias do antigo Império Russo, graças à Revolução de outubro, passaram por cima da fase capitalista de desenvolvimento, caindo imediatamente no sistema socialista. E não há nisso nada que contradiga o programa bolchevique que visava modernizar o país em novas bases.

A classe operária vitoriosa, através do seu Estado, prosseguiu uma política civilizadora, não apenas puxando as zonas atrasadas das regiões orientais e asiáticas do país para o nível da sua parte europeia, mas também criando novas áreas industriais e agrícolas ali, construindo centenas de cidades, milhares de povoações, escolas, hospitais e universidades, estendendo ferrovias e construindo fábricas. A vizinha Mongólia também passou pelo mesmo desenvolvimento civilizador.
Mesmo agora, após a restauração do capitalismo e a destruição catastrófica da URSS, as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central não experimentaram um retrocesso irrecuperável. Nos atuais estados independentes, ainda existem algumas conquistas, empresas e cidades, bem como educação e fundações culturais que dão esperança às gerações futuras, quando houver uma nova crise revolucionária, de utilizar a experiência passada para o renascimento e maior desenvolvimento.

A nossa tarefa é analisar os processos de construção nacional e estatal que ocorreram naquela época no quadro do desenvolvimento socialista geral e fazer a nossa avaliação desse período, a fim de usar essa experiência e denunciar os mitos liberais e nacionalistas sobre esse período.


O estabelecimento do poder soviético na Ásia Central e a primeira República Soviética do Turquestão


O Cazaquistão e a Ásia Central eram regiões remotas, atrasadas e periféricas do Império Russo onde, se o capital russo e inglês penetravam, era para fins de exploração de matéria-prima da região e para a exportação de minerais: chumbo, zinco, ouro, bauxite e algodão . Até certo ponto, as áreas industriais do leste do Cazaquistão e da região do Turquestão, com o centro em Tashkent, desenvolveram-se.

Especialmente difícil era a situação dos povos indígenas que habitavam esses territórios, que sofriam uma dupla opressão, tanto do capital russo e estrangeiro e da administração czarista, como da sua elite feudal bai. Não devemos esquecer que, no território do moderno Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão, além do território do Turquestão, o Khorezm Kaganate (Khiva) e o Emirado de Bukhara existiam como protetorados da monarquia russa.


Apesar de todos os habitantes da região serem cidadãos russos, a desigualdade manifestava-se em tudo, tanto na divisão de classes e na pertença a uma denominação religiosa, como nos privilégios e nos salários. Por exemplo, antes da revolução de 1917 na região de Sirdária, no Turquestão, o proletário russo recebia 90 copeques por dia pelo mesmo trabalho na produção que o uzbeque – 86 copeques e o cazaque e quirguiz – 69 copeques. Por outras palavras, sob o czarismo, os cazaques eram considerados pessoas de classe baixa [1], nem sequer de segunda classe.

Também é sabido que o regime czarista expulsou os cazaques das melhores terras. Apenas no período de 1890 a 1915, cerca de 20 milhões de hectares foram-lhes retirados. E nos dez anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1903-1912), a população cazaque, então chamada quirguiz, diminuiu 9%. Em 1916, durante a revolta dos cazaques e quirguizes contra a mobilização para o trabalho de retaguarda, a população local também enfrentou expedições punitivas das tropas czaristas.

A Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917 mudou imediatamente o modo de vida e o equilíbrio de poder de classe no Cazaquistão e na Ásia Central. E após o estabelecimento do poder soviético, os bolcheviques iniciaram uma discussão sobre a construção de novas entidades autónomas estatais com base republicana, embora o próprio processo de formação do poder soviético e as primeiras transformações socialistas na região do Turquestão e da Estepe tenham ocorrido numa situação difícil, numa tensa luta política interna entre partidários e oponentes do socialismo.


O partido bolchevique do Turquestão, apoiado pela guarda vermelha e soldados revolucionários das guarnições militares de Tashkent, Verny (agora Almaty), Ashgabat, Perovsk (agora Kzyl-Orda), Aulieata (agora Taraz) e outras cidades, reprimiu as ações revolucionárias de destacamentos armados da burguesia local e do clero muçulmano reacionário e círculos oficiais da antiga administração colonial. Na primavera de 1918, a luta pelo poder na região do Turquestão tinha praticamente terminado e um novo sistema social foi estabelecido sob a forma de sovietes de trabalhadores, soldados e deputados muçulmanos.

Em 30 de abril de 1918, iniciou-se em Tashkent o 5º Congresso Regional dos Sovietes do Turquestão. Juntamente com delegados das regiões, 120 representantes da população indígena local – uzbeques, cazaques, turcomanos e tadjiques – participaram nos seus trabalhos. O principal relatório sobre as tarefas dos bolcheviques na implementação da política nacional na região foi feito pelo Comissário extraordinário do Comité Central do PCR (b) e pelo SNK da República Socialista Federativa Soviética Russa para a Ásia Central P. A. Kobozev.

O Congresso decidiu criar a República Socialista Soviética Autónoma do Turquestão (RSSAT) como parte da RSFSR. Um telegrama para Moscovo garantiu que "todas as palavras de ordem revolucionárias serão realizadas firme e determinadamente aqui no Turquestão" [2]. A criação da RSSAT enquadra-se no princípio da autonomia territorial havia muito defendido pelos bolcheviques. Especificamente, a RSSAT não estava associada a nenhum grupo étnico titular específico, mas era uma unidade económica e geográfica específica com uma população multiétnica.


Assim, foi dado o primeiro passo dos bolcheviques rumo à autonomia da região, que se tornou uma experiência inestimável para a construção soviética e a base para a formação de novas repúblicas soviéticas na Ásia Central no futuro.

Já em 1919, com uma mudança brusca na política dos bolcheviques de adotar um sistema etnofederal para a Rússia soviética, também foi necessário rever os princípios da estrutura territorial da RSSAT. Em 15 de janeiro de 1920, a Comissão do Turquestão adotou uma resolução propondo o reagrupamento administrativo do Turquestão de acordo com as condições etnográficas e económicas da região. Ela identificou três grupos principais de pessoas que poderiam tornar-se a base para novas unidades etnopolíticas na RSSAT: uzbeques, cazaques e turcomanos.

Naquela época, desenvolveu-se uma discussão dentro do PCR (b) entre as duas principais visões para o desenvolvimento da autonomização soviética. A primeira baseava-se na formação de uma Federação centralizada, na qual todas as questões étnicas surgidas no decurso de 1917-1920 entrariam como autonomias, seguindo-se a divisão em grandes regiões económicas. Autonomias nacionais e culturais podiam desenvolver-se nessas regiões. De acordo com um desses projetos, em particular, deveriam formar-se duas grandes regiões no território da RSSAK - com centros em Orenburgo e Semipalatinsk. O Turquestão e o Cáucaso tornar-se-iam regiões unificadas.

A segunda opção supunha, ao contrário, a implementação ativa dos princípios da autonomia do Estado nacional, continuando em certa medida a política que deu independência às franjas ocidentais do Império Russo como a Finlândia, a Polónia e as Repúblicas bálticas. O modelo também tinha dois "ramos": primeiro, a política externa de expansão para ingressar na Confederação Soviética das futuras repúblicas soviéticas do Oriente e do Ocidente e, segundo a divisão da RSFSR em repúblicas europeias e asiáticas, construídas, segundo os autores, sobre os princípios do pan-islamismo e do pan-turquismo.

Era até suposto criar um partido comunista muçulmano dentro do PCR (b) que, por um curto período de 1918 a 1919, foi criado com base nas secções muçulmanas do Partido e, como opção, um Turan RSS separado, incluindo o Cazaquistão, o Turquestão, a Bashkiria, o Tartaristão e outras regiões de língua turca do antigo Império.

Segundo o historiador cazaque Daniyar Ashimbayev, tal opção "pan-turquista" era impossível e até contradizia as diretrizes do programa dos bolcheviques, além de contribuir para o fortalecimento do islamismo na região, o que poderia minar a posição do governo soviético.

"Este modelo estava em contradição fundamental com os princípios internacionalistas dos comunistas, poderia estimular não tanto a construção soviética como o crescimento do sentimento religioso, e estava demasiado em linha com os interesses geopolíticos da Turquia, que os promoveu por si mesma e em Aliança com a Alemanha. Em todo caso, a política nacional do PCR(b) foi construída sobre complexos mecanismos de compensação entre esses modelos. E se a República Socialista Federativa Soviética da Transcaucásia do Cáucaso foi estabelecida com o objetivo de lidar com o nacionalismo local e da supressão do ponto quente na Abkhazia, Karabakh e Ossétia do Sul, aquele Turquestão nos anos 1924-1925 foi dividido por causa das contradições entre os povos que o habitavam, o crescimento do nacionalismo local - cazaque, uzbeque, quirguiz, tadjique, turcomano, e a possibilidade de criar novas nações soviéticas para minar as bases ideológicas do pan-turquismo e pan-islamismo na região" [3], escreve Daniyar Ashimbayev.

É por isso que, em sua opinião, o governo soviético decidiu traduzir os alfabetos dos povos asiáticos da URSS para o latim, a fim de "não apenas introduzir um alfabeto ocidentalizado no interesse do futuro país soviético global, mas também quebrar a cultura e laços históricos com a antiga herança, principalmente árabe e turca" [4].
Portanto, no final de 1919 e no início de 1920, o partido finalmente escolheu o caminho da criação de novas nações soviéticas e, consequentemente, autonomias nacionais no Turquestão e na região das estepes da Ásia Central.


A política bolchevique de assistência na construção da nação soviética e o movimento para o leste


Apesar do PCR (b) ter adotado a linha de criação de repúblicas soviéticas nacionais, houve muitos problemas durante a sua implementação, pois foram identificadas duas tendências extremas. Por um lado, os chamados sentimentos de grande potência começaram a aparecer entre a parte do aparelho partidário que subestimava o processo de construção da nação e, por outro lado, surgiram os "nacionalistas" soviéticos locais.

Houve outra abordagem mais radical e incorreta, associada à negação total da necessidade de envolver russos, ucranianos e outros trabalhadores soviéticos de nacionalidade europeia no desenvolvimento da região. Esta opinião foi expressa, em particular, pelo famoso revolucionário cazaque e chefe do Conselho de Comissários do Povo do Turquestão, Turar Ryskulov. No entanto, os seus apelos para retirar do Turquestão todos os comunistas "infectados com a colonização" e confiar apenas nas pessoas locais não encontraram apoio entre os membros da Turkcomission. Além disso, a implementação dos seus apelos era impossível, pois levaria ao colapso total da política soviética na região.

Para crédito de Lenine, ele teve uma abordagem muito mais sensível a esta questão. A URSS foi originalmente fundada como uma União de quatro Estados iguais, em dezembro de 1922. Nesta fase, o Turquestão (principalmente o atual Turquemenistão, Uzbequistão, Quirguistão e sul do Cazaquistão) e a República Socialista Soviética Autónoma Cazaque (atual Cazaquistão do Norte e Central) permaneceram repúblicas autónomas dentro da RSFSR, enquanto as repúblicas de Bukhara e Khorezm permaneceram Estados independentes.

Mais importante ainda, a abordagem bolchevique visava estrita e fundamentalmente ajudar o desenvolvimento dos Estados nacionais. Grupos étnicos e nacionalidades, dos quais havia mais de 130 no território de todo o antigo Império Russo, receberam os seus próprios territórios com certo grau de autonomia. Foi fornecida assistência no desenvolvimento da língua nacional, foram formados professores locais e foram fundadas escolas nacionais. Representantes dos povos indígenas foram nomeados para cargos administrativos e partidários no decurso da política de "korenização" (política indigenista).

Em 1920, como resultado da operação do Exército Vermelho, preparado por Frunze, e do levantamento das massas em Bukhara e Khiva, as monarquias foram abolidas e foram formadas novas repúblicas soviéticas populares.

Um exemplo notável dessa prática é a formação da República Soviética Popular de Khorezm no território do atual Turquemenistão. A RSFSR renunciou a todas as reivindicações e direitos ao território, reconheceu a total independência de Khorezm e ofereceu uma aliança económica e militar voluntária e assistência no desenvolvimento económico e cultural, incluindo educação e alfabetização. Todas as propriedades, terras e direitos de uso que anteriormente pertenciam ao governo russo, cidadãos russos e empresas russas foram transferidos para o novo governo de Khorezm sem qualquer compensação. O trabalho começou com a abertura de novas escolas para crianças e adultos e da primeira Universidade Nacional de Khorezm e realizou também reparações de canais, construção de pontes e a extensão da rede telegráfica.



Mesmo no caso da questão da religião, a abordagem de Lenine não era a de se opor à religião como tal, mas ficar do lado daqueles que sofriam com a sua influência reacionária. Isso era especialmente verdadeiro para as mulheres. A poligamia, a compra de noivas e o divórcio por iniciativa unilateral de um homem foram proibidos. Foram criadas escolas voltadas para mulheres e estas foram encorajadas a participar na vida pública. Foi fornecida assistência para estabelecer cooperativas têxteis para que as mulheres pudessem tornar-se economicamente independentes.

No entanto, a destruição do Emirado de Bukhara e do Canato de Khorezm (Khiva) e a criação na sua base de repúblicas soviéticas populares tiveram as suas próprias razões de política externa para a necessidade de espalhar a revolução mundial para o Oriente. Existem documentos de correspondência entre Mikhail Frunze e Vladimir Lenine, a liderança do PCR (b) e a RSSA do Turquestão, que ligam o resultado da operação em Bukhara e o ponto de vista da situação militar e política no mundo muçulmano, uma vez que a criação de novas repúblicas soviéticas deveria contribuir para o desenvolvimento bem-sucedido da política bolchevique na Pérsia, Turquia, Afeganistão e a situação em Xinjiang.

Nesse sentido, o Turquestão soviético e as recém-formadas repúblicas soviéticas populares em Bukhara e Khiva tornaram-se um trampolim apropriado para transferir a revolução mundial através do Afeganistão, onde foi estabelecido um regime amigo da Rússia soviética, até ao território da Índia para combater a Grã-Bretanha. Além disso, as repúblicas soviéticas entre a população muçulmana da Ásia Central foram uma arma de propaganda muito importante para despertar os povos do Oriente a fim de destruir a periferia colonial dos impérios. Não é por acaso que o primeiro Congresso dos povos do Oriente, iniciado pelo Comintern, foi realizado em Baku de 1 a 10 de setembro.


A formação da RSSA Cazaque (Kirghiz)


Os nacionalistas burgueses cazaques do ramo do partido cadete que gaguejavam sobre a autonomia desde a guerra civil, tomaram o lado inequívoco da contrarrevolução e dos exércitos brancos. Trata-se principalmente do partido Alash, o ramo cazaque do partido dos cadetes. Em 5 de novembro de 1919 o Conselho Militar Revolucionário, em documento assinado pelo comandante M. Frunze, declarou uma Amnistia para Alash-Orda, isentando de responsabilidade todos os ex-oponentes armados. Em 1920, Alash-Orda tornou-se parte do governo revolucionário do Quirguistão (Cazaquistão) com a perda de todas as suas leis adotadas anteriormente e, como tal, o partido terminou a sua existência. A partir deste momento, começa a história do Cazaquistão Soviético e a formação de uma República Autónoma dentro da RSFSR.

O dia 26 de agosto marca 100 anos desde a formação da República Socialista Soviética Autónoma do Cazaquistão, o decreto pelo qual a sua criação foi assinada pelo presidente dos comissários do povo, Vladimir Lenine, e pelo presidente do Comité Executivo Central, Mikhail Kalinin. Foram os bolcheviques que estiveram na origem da criação do Estado nacional soviético cazaque.

No final de 1918 - início de 1920, estava em andamento um intenso trabalho preparatório para formar a autonomia soviética do Cazaquistão. Em 10 de julho de 1919, foi formado o Comité Revolucionário Cazaque (Kazrevkom) para administrar a região. Durante a Guerra Civil, o Kazrevkom concentrou nas suas mãos o mais alto poder civil-militar. Uma tarefa importante do Kazrevkom era formar a integridade territorial da futura autonomia soviética do Cazaquistão.

Ainda antes, a região do Turquestão do antigo Império Russo tornou-se a República Soviética Socialista Autónoma do Turquestão em 1918, com a sua capital em Tashkent, que incluía as regiões de Dzhetysu (Semirechye) e Syrdarya. Mas, como resultado da vitória dos bolcheviques na guerra civil, a questão da formação de uma república soviética cazaque separada tornou-se um limite.

Em 26 de agosto de 1920, o Decreto da formação da República Socialista Soviética Autónoma do Cazaquistão entrou em vigor. Em 4 de outubro de 1920, o Congresso Constituinte da RSSAKaz foi realizado em Orenburg. O Congresso adotou a "Declaração dos direitos dos trabalhadores da RSSAKaz". A Declaração serviu como Constituição. Garantiu amplos direitos políticos aos trabalhadores do Cazaquistão. Orenburg foi declarada a capital da região autónoma.

A separação nacional de 1924-1925


Alguns funcionários do Partido que vieram de povos indígenas, por exemplo, propuseram unir as repúblicas do Turquestão, Bukhara e Khorezm numa única Federação, semelhante à Federação da RSFSR. No entanto, esta proposta foi rejeitada. A própria ideia de criar repúblicas nacionais para uzbeques e turcomanos foi questionada por várias figuras locais, pois, na opinião deles, tais nações não existiam e a introdução de tais categorias seria um ato artificial.

Apesar de tais sentimentos, como resultado da linha vitoriosa para criar repúblicas nacionais, no final de abril de 1924, o Comité Central do PCR (b) formou uma Comissão especial, que nomeou subcomissões turcomenas, uzbeques e cazaques para representar os interesses das suas respectivas comunidades.

"A iniciativa do Kremlin de unir localidades uzbeques na Ásia Central numa única república nacional uzbeque não foi recebida positivamente pelas elites uzbeques soviéticas na RSSAT e na RSSKH. O único grupo político uzbeque que apoiou totalmente o projeto de um Estado nacional uzbeque no Kremlin desde o início foi a liderança soviética de Bukhara sob a orientação de Fayzulla Khodjaev. O projeto uzbeque do Kremlin foi amplamente apoiado por ativistas do partido em Tashkent ", escreve o historiador Grigor Ubiria [5].


O objetivo da delimitação planeada não era criar unidades políticas etnicamente homogéneas, mas garantir que em cada república e região recém-formada, a nacionalidade titular constituísse uma maioria numérica. O princípio nacional deveria ser o critério orientador para a Comissão territorial determinar as fronteiras projetadas entre as repúblicas na Ásia Central.

Durante a criação das novas nações soviéticas, houve constantes problemas e disputas tanto por territórios como pela pertença de determinados grupos étnicos. No entanto, a Comissão teve também de ter em conta os princípios socioeconómicos. Durante a implementação da delimitação nacional, houve também uma divisão económica, ou seja, fábricas, áreas agrícolas, explorações pecuárias e instituições culturais e educacionais foram divididas entre as ex-repúblicas de tal forma que, após a divisão, cada uma delas teve os recursos materiais suficientes necessários para o sucesso do seu desenvolvimento económico e cultural.

Em resultado da delimitação nacional em 1924-25, havia a RSS Uzbeque, a RSS Turcomana e a Região Autónoma de Karakalpak (c 1930 a RSSA Karakalpak), a RA Kara-Kirguiz (a partir de 25 de maio de 1925 renomeado RA Kirguiz e, a partir 1 de fevereiro de 1926, convertida numa RSS Kirguiz separada) e a RSS Tadjique. Duas regiões da abolida República Soviética do Turquestão foram atribuídas à RSSA Cazaque. Assim, em 1924, as repúblicas soviéticas de Bukhara e Khorezm deixaram de existir, e os seus territórios passaram a fazer parte da RSSA Turcomana, da

Região Autónoma de Karakalpak, da RSSA Uzbeque e da RSSA Tadjique.


Posteriormente, o estatuto dessas repúblicas também melhorou. Assim, desde 1925, o Uzbequistão recebeu o estatuto de República Soviética independente, de que a RSSA Karakalpak se tornou uma República Autónoma em 1936. No mesmo ano, a RSSA Turcomana recebeu esse estatuto. Em 1929, foi formada a RSS Tajique. Em 1936, a RSS do Cazaquistão e a RSS do Quirguistão tornaram-se repúblicas separadas da União. Apenas neste ano, em conexão com a adoção da nova Constituição de Estaline, as cinco repúblicas da União Soviética da Ásia Central foram finalmente formadas.

Esta divisão nacional, que levou à criação de novas nacionalidades soviéticas e, consequentemente, a Uniões e Repúblicas Autónomas, é consequência direta da política nacional leninista dos bolcheviques e estava subordinada ao objetivo da construção socialista.


O tema da fome de 1932-1933 na RSSA do Cazaquistão


O Cazaquistão agora, assim como a Ucrânia, é caracterizado pelo tema da fome do início dos anos 30, ativamente usado pela propaganda burguesa do governo, liberais e nacionalistas para apresentar os bolcheviques como os organizadores de um genocídio direcionado dos povos indígenas. Ao analisar a construção nacional e socialista na Ásia Central, é impossível evitar esse tópico, e é necessário dar uma resposta a isto.

A fome como política de extermínio dos cazaques é atribuída pelos nacionalistas modernos a todo o Estado soviético desde a sua própria fundação e a Lenine diretamente, embora ele tenha sido, com Kalinin, o iniciador da formação da República Socialista Soviética Autónoma do Cazaquistão, em agosto de 1920. E, no parecer dessa propaganda, a política de genocídio durou supostamente desde o momento em que acabou a guerra civil, até 1933. Claramente, os indivíduos esticaram as datas e tentaram ligar diretamente a fome de 1921, causada pela seca, com a fome de 1932-33.

Os “descomunizadores” modernos operam apenas com números assinados pelo chefe da organização regional do Partido, Goloshchekin, sobre a realocação de 5 a 10 mil famílias de bais desapossadas, - fazendas de 400 pessoas nómadas, de 300 seminómadas e 150 assentadas. Mas, nas estatísticas, não é mencionado ou relatado nenhum milhão de mortes em qualquer lugar. Tampouco existe um único documento assinado por Estaline e Goloshchekin que prescreva matar ou fazer passar fome aos cazaques étnicos. Pelo contrário, os documentos citados sempre enfatizam a clara separação de classes da elite feudal de bais da massa principal de pessoas que foram impiedosamente exploradas pelos opressores.

No entanto, foi a apreensão do gado, de fato, à elite feudal que causou a migração em massa das fazendas bai juntamente com uma série de auls para a vizinha China. Naquela época, vários milhões de cabeças de gado migraram com a população para o exterior em apenas um ano de coletivização. De fato, foi essa migração em massa através da fronteira provisória, bem como o abate descontrolado de gado pelos proprietários dentro do país, que os levou todos à fome. A situação foi agravada pela implementação de uma política forçada de assentamento, quando foram criados assentamentos permanentes e os cazaques romperam com a agricultura nómada.


Tudo isso foi causado por excessos e erros na política de coletivização, que foram condenados pelo Partido e pelo governo soviético nos anos 30. Naturalmente, nunca houve instalações para a destruição direcionada de cazaques ou ucranianos. Além disso, as estimativas demográficas das perdas durante a fome não resistem às críticas, quando números de 3 a 5 milhões de pessoas são citados sem base em nenhuma estatística.
Alguns nacionalistas afirmam que, se não fosse por causa do "Holodomor", 90 milhões de cazaques viveriam no Cazaquistão, o que é claramente uma profanação anticientífica e é desenhado de acordo com os padrões ucranianos. O tema do genocídio também é posto em causa pelo fato de terem sido os bolcheviques a formar uma República Socialista Soviética Cazaque em separado, em 1936 nas suas fronteiras atuais. Por que precisariam eles de criar outra República da União, se o seu objetivo era a destruição total dos cazaques?

O governo soviético em Moscou tentou e forneceu ajuda generalizada em 1932-33 às regiões famintas da Ucrânia, região do Volga, Urais e Cazaquistão, mas às vezes era usada de forma ineficaz ou incorreta pelo partido local e pelo pessoal económico na região das estepes. A imprensa soviética também escreveu sobre esses factos quando denunciou o fato de o pão recebido do centro ser usado para outras necessidades ou mesmo para ajudar os parentes, e não para sustentar a população de aldeias afetadas pela fome.

Portanto, tais dados indicam a baixa qualidade de certa parte dos dirigentes da RSSAC ao nível de base, que não souberam lidar com as lacunas e estabelecer formas coletivas de propriedade no momento da forte transformação da agricultura causada pela coletivização e a criação de assentamentos permanentes. Assim, devemos considerar tudo isso como erros e excessos inevitáveis no processo de construção socialista acelerada que surgiu como resultado do colapso radical de todo o modo de vida milenar e da economia nómada.

Quanto à fome de 1921 e ao envolvimento de Lenine nela, os factos mostram um quadro completamente diferente, quando o chefe da RSFSR dilacerada pela guerra civil, conseguiu encontrar formas de apoiar os habitantes da região das estepes.
Assim, para ajudar a população faminta da RSSA do Cazaquistão, o decreto do Comité Executivo Central isentou a população de áreas de baixa produção de pagar o imposto sobre alimentos. Em 14 de junho de 1921, V. I. Lenine assinou o decreto "sobre o imposto sobre a carne natural", segundo o qual o campesinato nómada e seminómada do Cazaquistão estava isento do imposto sobre a carne. Em 1922, foram alocados 25 milhões de rublos para a compra de máquinas e ferramentas agrícolas, foram disponibilizadas sementes para semear 60% da área semeada, foram alocados 2 131 mil rublos para a compra de gado, foram construídos 575 orfanatos e 9 foram organizados e cerca de 18,5 mil foram destinados às crianças da RSFSR. O Comissário do Povo da segurança social da RSSAK iniciou a organização de comités de assistência mútua de camponeses [6].


Em geral, apesar das fomes de 1921 e 1932-33, o sistema soviético sobreviveu, e esses mesmos problemas, o primeiro relacionado com a seca, e o segundo com a coletivização forçada, foram diretamente um fator de extremo atraso e baixíssima produtividade do setor agrícola, que precisava de ser modernizado em bases científicas e coletivas com a consolidação de pequenas propriedades. Isso foi alcançado nos anos posteriores da construção socialista e eliminou definitivamente o problema da fome, antes diretamente relacionado com os períodos climáticos.

25.10.23

Do Eurocomunismo à Participação no Governo Burguês*

Raúl Martínez, membro do Burô Político do Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE)


MARINA GINESTA – Comunista revolucionária ficou eternizada na luta contra o fascismo na Espanha.


A longa viagem do eurocomunismo:

No dia 13 de janeiro de 2020 constituiu-se o primeiro governo de coalizão desde a II República, do qual formam parte os ministros do PSOE e a coalizão Unidas Podemos, da qual formam parte, por sua vez, a Esquerda Unida e o Partido Comunista da Espanha. Com isso, dois militantes do PCE passam a ocupar o Conselho de Ministros: a ministra do trabalho, Yolanda Díaz, e o ministro do consumo, Alberto Garzón.

A longa viagem empreendida pela direção revisionista do PCE, encabeçada por Santiago Carrillo, chega a seu fim. O objetivo traçado pelo eurocomunismo foi cumprido. Estão agora no governo. Chegou a hora da verdade, a hora que a prática confirme, ou não, a tese que outrora conduziu a direção comunista espanhola ao abandono de toda estratégia revolucionária, abrindo uma crise no movimento comunista que perdura até hoje.

O Burô Político do PCTE se pronunciou publicamente sobre o novo governo de coalizão. Em nossa resolução, advertimos que esse governo não faria outra coisa além de gerir a exploração capitalista. Advertimos sobre as falsas ilusões que importantes setores do movimento operário estavam semeando, com base em uma série de propostas simbólicas. Convidamos a não depositar nem um pingo de confiança no governo social-democrata, que chegava para conter a mobilização das massas, frente a um incipiente estalar de uma nova crise capitalista.

Em síntese, frente à gestão social-democrata do capitalismo, o PCTE reafirmava seu compromisso em preservar a independência da classe operária, convidando os trabalhadores a dar passos decisivos fortalecendo o Partido Comunista e acumulando forças em torno de uma estratégia insurrecional.

O trabalho atual se inscreve precisamente nesta luta. Como veremos mais à frente, muitos dos argumentos utilizados pelos defensores da estratégia de gestão capitalista se baseiam em particularidades nacionais, algumas das quais seriam compartilhadas com outros países do sul da Europa e justificariam seguir uma via própria.

24.10.23

As vias nacionais para o socialismo: a via das reformas, não da revolução!

Pela Seção de Ideologia do Comitê Central do Partido Comunista do México (PCM)

"Para converter o socialismo em ciência, era necessário, antes de tudo, situá-lo no terreno da realidade". [1]

Friedrich Engels

A teoria de Marx estabeleceu a verdadeira tarefa de um partido revolucionário: não elaborar planos para a reestruturação da sociedade nem se ocupar em pregar aos capitalistas e seus acólitos a necessidade de melhorar a situação dos trabalhadores, nem tramar conspirações, mas organizar a luta de classe do proletariado e dirigir esta luta, que tem como objetivo final a conquista do poder político pelo proletariado e a organização da sociedade socialista”. [2]

Lenin



É muito importante que a Revista Comunista Internacional dedique este número à reflexão de uma obra clássica do marxismo-leninismo, a obra de Friedrich Engels “Do socialismo utópico ao socialismo científico”, especialmente quando este ano também marca o bicentenário do nascimento deste grande comunista, grande mestre do proletariado, que junto com Karl Marx fundou a visão de mundo da classe operária, a concepção materialista da história e o socialismo científico.

No movimento comunista internacional contemporâneo, vários partidos comunistas e operários defendem a tese das vias nacionais para o socialismo e, sobretudo, enfatizam os elementos essenciais de tal proposta, como o valor universal da democracia, a soberania nacional/libertação nacional, as alianças de classe e políticas com a burguesia e a pequena burguesia, a via parlamentar, a transição pacífica, etc.

Mas foi sempre assim no movimento comunista, essa sempre foi uma linha estratégica entre os partidos comunistas?

As teses básicas da revolução e do processo revolucionário surgem desde as primeiras obras clássicas do marxismo, na teoria e prática de Marx e Engels, e são enriquecidas pela experiência dos comunistas e operários revolucionários no período de auge da luta de classes na Europa em 1848 e especialmente em 1871 com a Comuna de Paris. Os anos que vão de 1848 a 1871 foram caracterizados por Lênin como os do primeiro período nas vicissitudes históricas da doutrina marxista. Neste período já estavam estabelecidos os contornos essenciais e gerais da teoria da revolução socialista:


• A concepção materialista da história em que são expostos os diferentes modos de produção, questionando a sua imutabilidade, demonstrando que os antagonismos existentes conduzem ao antagonismo entre o velho e o novo, no desenvolvimento das bases materiais, isto é, as forças produtivas e as relações de produção e a inevitabilidade das revoluções sociais. Tudo isso baseado na luta de classes como motor da história, conclusão que fundamenta a atividade dos comunistas. A base econômica objetiva da revolução social é o conflito entre as novas forças produtivas e as velhas relações de produção.


• A anatomia do capitalismo, o processo de exploração, engendra a classe operária, uma classe antagônica à burguesia, e com capacidade de ser o coveiro do capitalismo, ou como F. Engels explica em “Do socialismo utópico ao socialismo científico”: "A contradição entre produção social e apropriação capitalista assume a forma de antagonismo entre o proletariado e a burguesia”.


• Na referida obra, F. Engels especifica algumas noções e leis às quais o movimento revolucionário deve ser submetido independentemente das particularidades e especificidades nacionais:

“(…) não há senão um caminho: que a sociedade, abertamente e sem rodeios, tome posse dessas forças produtivas, que já não admitem outra direção a não ser a sua. Assim procedendo, o caráter social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se volta contra os próprios produtores, rompendo periodicamente as fronteiras do modo de produção e de troca, e só pode impor-se com uma força e eficácia tão destruidoras como o impulso cego das leis naturais, será posto em vigor com plena consciência pelos produtores e se converterá, de causa constante de perturbações e cataclismas periódicos, na alavanca mais poderosa da própria produção.” (F. Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, capítulo 3: O Materialismo Histórico)

Ou, nas conclusões “Do socialismo utópico ao socialismo científico”:

“III. Revolução proletária, solução das contradições: o proletariado toma o poder político e, por meio dele, converte em propriedade pública os meios sociais de produção, que escapam das mãos da burguesia. Com esse ato redime os meios de produção da condição de capital, que tinham até então, e dá a seu caráter social plena liberdade para impor-se. A partir de agora já é possível uma produção social segundo um plano previamente elaborado. O desenvolvimento da produção transforma num anacronismo a sobrevivência de classes sociais diversas. À medida que desaparece a anarquia da produção social, vai diluindo-se também a autoridade política do Estado. Os homens, donos por fim de sua própria existência social, tornam-se senhores da natureza, senhores de si mesmos, homens livres.

A realização desse ato, que redimirá o mundo, é a missão histórica do proletariado moderno. E o socialismo científico, expressão teórica do movimento proletário, destina-se a pesquisar as condições históricas e, com isso, a natureza mesma desse ato, infundindo assim à classe chamada a fazer essa revolução, à classe hoje oprimida, a consciência das condições e da natureza de sua própria ação. (F. Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, capítulo 3: O Materialismo Histórico).”

• A revolução, como locomotiva da história, conduzida pelo proletariado, tem em seu caráter contemporâneo o objetivo do socialismo e do comunismo, cabendo ao proletariado realizá-la; ao contrário das revoluções anteriores, agora não se trata de substituir uma classe exploradora extinta por uma nova classe exploradora, mas de acabar com a exploração. Portanto, não basta tomar posse da máquina estatal, é necessário destruí-la. Estudar a experiência da Comuna de Paris permite ao marxismo chegar à conclusão da ditadura do proletariado; não é algo acessório, opcional ou dispensável, é um elemento vital para a classe trabalhadora realizar seus objetivos históricos. A tomada do poder pela classe trabalhadora, uma vez derrubada a dominação capitalista, não parte da ocupação do Estado existente, ela tem que destruí-lo e construir o novo Estado, sendo esta a única e exclusiva forma pela qual o proletariado pode resolver a questão do poder, a questão fundamental de toda revolução, como enfatizou Lenin.

Agora, de 1872 a 1904, surge um período pacífico, onde surgem o oportunismo e o revisionismo, que apontam precisamente contra a ideia da revolução e os seus fundamentos. Tentam colocar as algemas da legalidade e do etapismo no marxismo. Os sucessos eleitorais e sindicais dos partidos da Segunda Internacional alimentam ilusões sobre as reformas como caminho para o socialismo, e isso requer atacar o marxismo e sua teoria da revolução. A preparação do processo revolucionário leva os comunistas a colidir com essas teorias; a defender o marxismo daqueles que se autodenominam “marxistas” para distorcê-lo; e a enriquecê-lo, desenvolvê-lo, no ritmo do desenvolvimento capitalista. Tal enriquecimento da teoria se baseia na consolidação dos elementos essenciais e imprescindíveis para analisar a realidade e transformá-la.

Sem esta preparação teórica, sem lutar contracorrente para devolver ao marxismo a sua vertente revolucionária, não teria sido forjado o partido de novo tipo, o partido da revolução, o partido comunista.


ΙΙ

Certamente, as batalhas teóricas do leninismo contra o oportunismo, bem como o enriquecimento substancial do marxismo com a questão do imperialismo e do Estado, a teoria do partido e a teoria da revolução socialista, foram uma pré-condição para o avanço revolucionário do proletariado e a grande prova é a vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro de 1917. E sob essa bandeira, a III Internacional Comunista forja uma estratégia unificada que orienta corretamente a luta de classes em um período muito complexo da história, pois é desencadeada em uma contrarrevolução coordenada pelos países imperialistas cujo objetivo é sufocar a construção socialista.

A III Internacional elabora sua estratégia e tática com base no fato de que com o triunfo da Revolução de Outubro de 1917 abre-se uma nova era de revolução social, de transição histórica do capitalismo para o socialismo, época que concordamos em apontar – os partidos comunistas que damos vida à Revista Comunista Internacional – como plenamente vigente. É com esse quadro que se desdobram os elementos essenciais da estratégia e das tarefas de cada seção do Comintern; sobre o que é preciso insistir novamente, no diálogo e no debate, profícuo, profundo e meticuloso com cada Seção, como comprovam as fontes documentais.

Na Internacional Comunista, o debate sobre a estratégia é uma constante. Engana-se quem quiser defini-la estática, pois ela se ajusta ao ritmo da luta de classes, ou como Lenin explicou em diversas ocasiões, corresponde à ofensiva e à defensiva, ao fluxo e ao refluxo; no entanto, baseia-se nos princípios comunistas e nas características gerais da época, porque como afirmava o importante editorial da revista “A Internacional Comunista” em 1933, "Pela teoria marxista-leninista":

“Sobre a base sólida do marxismo e do leninismo e sobre a base de toda a experiência histórica do movimento revolucionário internacional, em geral, e sobre a prática dos bolcheviques em três revoluções russas, em particular, foi elaborada a tática e a estratégia da Terceira Internacional, como continuação imediata da tática e da estratégia de Marx, como continuação da causa da Primeira Internacional. [3]

No entanto, já na Internacional Comunista surgiram algumas tendências que questionavam a necessidade de uma estratégia unificada e colocavam a ênfase no particular e no específico, acima do geral e das regularidades. E não queremos nos referir exclusivamente a Browder, mas também a Togliatti e outros. Essa tendência foi exposta com a virada do VII Congresso da Internacional Comunista e as alianças com a social-democracia e as forças burguesas para enfrentar o fascismo. Uma vez derrotado o fascismo, não houve elaboração conjunta de uma estratégia comum dos PC, exceto no âmbito do Cominform, que adotou posições justas.

Browder levou às últimas consequências as teses da aliança com os partidos do capital e da social-democracia, considerando inclusive desnecessária a existência do PC dos EUA, o qual tentou dissolver. Sua influência foi fatal nos PC de Cuba, México, Chile, Colômbia e, embora tenha sido confrontado pelo movimento comunista internacional, ideias semelhantes foram desenvolvidas em outros PC, especialmente na Europa.

A luta contra esta tendência oportunista, porém, cedeu quando a viragem que se verificava no PCUS foi expressa nas teses do XX Congresso, em relação a que a correlação de forças existente a nível internacional entre o campo socialista e o capitalista abre a possibilidade de coexistência pacífica dos dois sistemas, o que permitiria a possibilidade de uma transição pacífica para o socialismo por meio da ação parlamentar e da acumulação gradual de forças. Com base nisso, foi elaborada a tese das vias nacionais para o socialismo, fazendo uma caricatura da teoria marxista-leninista da revolução socialista, que foi apresentada como um livro de receitas dogmático, estagnado e dispensável.

Ressaltamos que se trata de uma elaboração completa que tem relação com modificações estruturais não só da estratégia, mas também do papel do Partido, da visão de mundo proletária e inclusive dos objetivos programáticos.

Chama a atenção que insistam na originalidade, na elaboração própria, na riqueza de peculiaridades. Em contraste com isso, vista em seu conjunto, cada via nacional para o socialismo é tão idêntica às outras que há poucas diferenças, o que leva a um quadro de uma estratégia conjunta, mas circunscrita a posições oportunistas.

Hoje em dia pode parecer que estamos fazendo uma avaliação de um processo que teve seu auge há mais de meio século e que entrou em crise há muitos anos. Mas, em nossa opinião, não é um assunto limitado a um balanço dos erros do nosso movimento. Sob essas teses o PCM e o movimento comunista de nosso país foram liquidados e, sob elas, a reorganização começou entre 1994 e o IV Congresso de 2010, até que nesse último foi realizada uma autocrítica e uma virada com resultados verificáveis.

Os caminhos nacionais ou vias nacionais para o socialismo colocaram a democracia burguesa como ponto de partida para o socialismo. As questões programáticas situavam-se no âmbito da “ampliação do regime democrático”, da ampliação e defesa da democracia descontextualizada do seu conteúdo de classe, o que é ideologicamente uma renúncia às posições revolucionárias de analisar qualquer Estado como uma ditadura de classe e, especificamente, o Estado burguês como uma ditadura de classe da burguesia. É claro que isso leva a outros erros, mas a essência é que não se busca a derrubada do estado burguês, mas sua melhoria.

O que durou décadas levou os militantes desses partidos a considerar a reforma como objetivo e quando chegou o momento, por exemplo, com a dissolução do PC italiano, começaram a compor as fileiras em um partido da ordem como o Partido Democrata. A teoria revolucionária foi apagada neste processo, por exemplo, a ditadura do proletariado foi objeto de tratamento vulgar a ponto de ser considerada dispensável e acessória. Vários PCs, não só os eurocomunistas, mas também alguns que formalmente reivindicavam o leninismo, decidiram retirá-la de seus programas, tornando absoluta a defesa da democracia, ou seja, da ditadura de classe da burguesia, o que configura, por um lado, a renúncia à tomada do poder e, por outro, a à defesa do poder previamente instituído. E, claro, se nos anos 1970, 1980 e 1990 isso era uma apostasia, hoje também é. Neste ponto, comprova-se aquela ideia de Lênin, de que para atacar o marxismo seus adversários devem se vestir com roupas “marxistas”.

Justificando isso, Palmiro Togliatti, um dos principais teóricos das vias nacionais, afirma:

“Encontramos os principais elementos do que chamaremos de busca e afirmação de uma via italiana para o socialismo no primeiro discurso sobre o programa, proferido em Nápoles, em 11 de abril de 1944, em que é declarado abertamente: "Não é colocado hoje aos trabalhadores italianos o problema de fazer o que foi feito na Rússia". No mês de setembro do mesmo ano, Rinascita afirmava: "A classe operária sabe que sua principal tarefa hoje não consiste em lutar pela instauração imediata de um regime socialista". Em 1947, às vésperas de nosso VI Congresso, dissemos: "Sem dúvida, o povo italiano tem a tarefa de seguir este caminho (o do socialismo) usando seu próprio método, que deve levar em conta todas as particularidades, a condição de nosso país, sua situação internacional, sua estrutura econômica e política e suas possibilidades e necessidades de progresso (...) Indica-se em seguida um objetivo de estratégia geral: a criação de um regime democrático progressista, que realize um conjunto de reformas estruturais econômicas e sociais, fazendo, ao mesmo tempo, com que todas as forças organizadas das classes trabalhadoras participem da direção do país”. [4]

Até certo ponto, a defesa das conquistas democráticas pode fazer parte das reivindicações dos comunistas, entendendo o caráter de classe do Estado burguês, mas deixando claro que a classe trabalhadora almeja a ditadura do proletariado como elemento fundante da revolução, isto é, o deslocamento de uma classe por outra na direção do Estado e que, no socialismo, tal Estado é totalmente novo, sustentando a destruição do anterior. Por outro lado, o passar dos anos e a experiência da luta de classes mostraram que as chamadas conquistas democráticas só podem ser resolvidas, consolidadas e/ou ampliadas com a ditadura do proletariado e a revolução socialista.

Não devemos esquecer que a absolutização da democracia levou vários PCs a entrar em confronto com os partidos e países onde o socialismo era construído e, com esse pretexto, a questionar e depois renunciar ao princípio do internacionalismo proletário. Mas se a questão democrática é um elemento constitutivo de todas as vias nacionais para o socialismo, tanto na Itália como na França, no Japão ou no México, a deformação do marxismo-leninismo ou a renúncia aberta a ele tornou-se uma espécie de competição sobre quem estava mais distante dos princípios. Assim, por exemplo, na via mexicana para o socialismo, chega-se a sugerir que o Estado está acima das classes, que é um árbitro que faz a mediação entre os conflitos existentes porque se coloca acima delas. Essa deturpação levou a erros de vários anos na luta.

Retomando o que Togliatti apontou, há apenas alguns milímetros de distância no desvio do Compromisso Histórico de Berlinguer ou da liquidação liderada por Natta-Ochetto. Em outras palavras, há uma continuidade entre uma posição e outra, um elo, uma continuidade.

Nesta concepção, para distanciar da construção socialista, os objetivos programáticos em matéria econômica se inscrevem na gestão da economia capitalista: políticas de regulação tributária, redistribuição da riqueza, subsídio social; nacionalizações, mas com um estado capitalista; e claro um sistema de economia mista, com participação estatal (capitalista) e privada, que projetado até nossos dias prefigura o que vários PCs chamam de socialismo de mercado.

Para concretizar esta proposta é desenhada uma política de alianças que inclui a social-democracia e outros partidos da ordem capitalista. Quem foi mais longe foi o Compromisso Histórico, que passou a contemplar a Democracia Cristã. Entretanto, as coalizões de esquerda entre comunistas, social-democratas e outras formações não diferem em essência, embora a forma possa ser diferente. São coligações para impor austeridade, incluindo privatizações, medidas de desvalorização do trabalho, na Europa com o apoio da OTAN e inclusive da União Europeia como união imperialista. Além disso, algumas dessas coalizões participaram de agressões imperialistas contra os povos. Nenhum partido comunista deveria participar de coalizões governamentais para administrar o capitalismo e tal orientação tática foi estabelecida pelo marxismo revolucionário em sua crítica ao ministerialismo da Segunda Internacional. Mas tais coalizões, que por si já pressupõem uma renúncia à independência e autonomia de classe do Partido Comunista, também contêm a possibilidade de que o próprio Partido possa ser substituído pela frente/coalizão seja qual for o nome que ela tenha (democrática, de esquerda, plural, ampla) ou mesmo fundir-se em um novo partido de esquerda, liquidando assim o partido comunista.

Depois de várias décadas, as vias nacionais nos aproximaram do socialismo? Na Itália, França, Espanha, Bélgica, México, Inglaterra e outros países, onde os PC defendiam tal concepção, não só a luta de classes não avançou como retrocedeu e os PC sofreram duros golpes, alguns liquidados e outros mutados em outra forma política, embora mantenham o nome. Os processos de reorganização dos partidos comunistas nesses países, se não forem pautados por uma demarcação aberta e reeditarem tais políticas, podem voltar a enfrentar duros retrocessos.

As vias nacionais na maioria dos casos participaram em governos e o saldo é negativo. Ideologicamente, produziu um deslocamento de setores importantes da classe trabalhadora para a influência da social-democracia. Além disso, tais governos possibilitaram o surgimento de forças reacionárias.


III. Erros teóricos das vias nacionais


As posições políticas reformistas e oportunistas que estão por trás das chamadas vias nacionais para o socialismo, por sua vez, se fundamentam em erros teóricos que buscam distorcer a realidade e a aplicação do materialismo dialético. O cerne desses erros teóricos é a negação das leis gerais da revolução.

Para isso, utiliza-se o argumento da análise concreta da realidade concreta de cada país. No entanto, para Marx, o concreto como síntese de múltiplas determinações implica que, devido à interdependência universal dos fenômenos, todos os aspectos da realidade devem ser considerados, porém a importância de alguns é maior, pois há aspectos de natureza essencial e geral que aparecem como regularidades e que subordinam os aspectos particulares, secundários e casuais.

Assim, cada aspecto da realidade deve ser justificado, considerando que os aspectos gerais não podem ser subordinados à existência de particularidades e que as regularidades decorrem de determinações essenciais e as singularidades de elementos casuais que podem ou não ocorrer, mas cuja existência não altera os aspectos essenciais. Vamos dar uma olhada em alguns exemplos.

Uma vez que o imperialismo se desenvolve, afirma-se uma generalidade: o grupo de países com desenvolvimento capitalista está inserido na pirâmide imperialista. Portanto, independentemente do desenvolvimento capitalista específico de cada país e do lugar particular que ocupa na pirâmide imperialista, a estratégia dos comunistas em nível mundial assume o socialismo como tarefa imediata, sem etapas intermediárias. Isso decorre do fato de que o capitalismo em nível mundial já está em sua fase parasitária e que fornece as condições objetivas para a transição para o socialismo.

As vias nacionais para o socialismo que pregam o reformismo, a transformação gradual e a conquista progressiva das instituições do Estado, negam a essência do Estado como aparelho de dominação de uma classe sobre outra. Esta última é uma regularidade que se repete em todos os lugares e momentos em que existe a luta de classes. Não há particularidade nacional que possa negar a essência do Estado.

A negação do caráter de classe do Estado como generalidade conduz a outro erro teórico: a negação da necessidade da violência como parteira da história, o que implica negar o caminho revolucionário para a tomada do poder. Uma vez descartado que o socialismo implica a tomada do poder, outros aspectos da teoria marxista-leninista podem ser negados: a necessidade do centralismo democrático e do Partido Comunista, entre outros.

Ao negar o caráter de classe do Estado, negam também a necessidade da ditadura do proletariado. No entanto, a existência do Estado em qualquer sociedade onde haja luta de classes é uma generalidade e isso também é o caso do socialismo. Por isso, a fraseologia de alguns "comunistas" de que "ditadura, nem do proletariado!" é apenas uma fraseologia carente de seriedade.

Com o desenvolvimento do capitalismo em sua fase imperialista, a divisão da sociedade em duas classes sociais, a burguesia e o proletariado, torna-se cada vez mais concreta, de modo que a luta de classes se mostra em sua essência antagônica de “classe contra classe”. Derivado disso, em geral não há razões para uma colaboração entre a classe trabalhadora e qualquer parte da classe burguesa. Porém, em determinados momentos históricos, alguma particularidade pode implicar uma mudança contingente que não nega a generalidade. Tal fenômeno ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando as forças mais reacionárias do capitalismo encarnadas no fascismo, e sob a proteção dos centros imperialistas, buscavam destruir a construção socialista surgida na URSS.

Tal situação determinou uma ação particular e momentânea que implicou o desenvolvimento da tática da Frente Popular para que os comunistas de todo o mundo promovessem o apoio à União Soviética em colaboração – apenas para esses fins e sem perder o horizonte da tomada do poder – com setores da burguesia. No entanto, passada a situação particular e sem jamais ter negado a generalidade, a luta deve ser novamente promovida sob as táticas que garantam os objetivos revolucionários. Aqui está um exemplo da dialética que implica a análise concreta da situação concreta.

Onde a luta pela democracia foi priorizada como expressão de uma via nacional, várias organizações comunistas renegaram o objetivo revolucionário de ruptura. As consequências de tal escolha foram omitidas e/ou subestimadas, o que repercute em contribuir para sustentar a dominação da burguesia e afastar e desarmar a tentativa de derrubá-la.

No terreno dialético da realidade, contribuir para a instauração da democracia significa reforçar sua modernização e diversificar sua defesa contra a ação do proletariado organizado em classe. Não se trata, portanto, de afastar ou aproximar o socialismo, mas de enterrá-lo por meio de renovadas manobras de manutenção e desenvolvimento do capitalismo.

Por outro lado, onde se avaliava que correspondia a uma fase intermediária, de libertação nacional ou anticolonial, o compromisso com o estabelecimento de um período de coalizão entre as classes sociais significou a renúncia não só aos interesses futuros por parte do proletariado, mas à solução de seus interesses imediatos, abrindo assim um longo período de agonia operária e popular para estabelecer e estabilizar o capitalismo em sua fase imperialista.

Os progressismos ampliaram o poder de “seus” monopólios e os oportunistas de todos os tipos aproveitaram a oportunidade para reprimir ou desviar o rumo das direções revolucionárias coletivas. A burguesia aproveitou a oportunidade para a qual foi convidada e obrigou o proletariado a renunciar. As noções antidialéticas das chamadas vias nacionais semearam a concepção metafísica de que a ação revolucionária é supérflua, que a ação resoluta e independente dos comunistas não é necessária para o triunfo do socialismo-comunismo e que transições suaves inexistentes são suficientes. E com isso obstruiu-se a necessidade histórica e contemporânea de transformar imediatamente o triunfo da democracia burguesa, ou a sua própria existência, em revolução proletária, em democracia proletária. A conclusão é incontestável: ou a direção da sociedade ou é burguesa ou é proletária nos termos do marxismo-leninismo, acima das singularidades nacionais ou continentais.

IV.

Hoje é possível concluir que as vias nacionais foram um caminho para a reforma, para o reforço da dominação capitalista e para a mutação de vários PC em partidos do capital, seja como partidos da social-democracia ou da nova social-democracia.

A mutação ocorreu gradativamente, com operações ideológicas voltadas para o ataque à identidade comunista. Hoje, a renúncia ao materialismo dialético; amanhã a campanha para separar Marx de Engels; outro dia a renúncia ao centralismo democrático; e a seguinte, o abandono do internacionalismo proletário. Hoje com ataques a Stalin, amanhã a Lenin e, em nome da "renovação", a renúncia ao marxismo-leninismo.

Insistimos, há lições para a atividade contemporânea do movimento comunista internacional, em crise ideológica.

Se existe uma diferença, é que, antes, o oportunismo teorizava suas elaborações e hoje, segue a inércia, às vezes denominada como a superação do "infantilismo" e o "dogmatismo", a maturidade.

A experiência indica que, quando se trata de justificar o caminho errado, os oportunistas se voltam para o relatório do camarada Dimitrov, no VII Congresso da Internacional Comunista. Mas na atualidade as condições são diferentes. O anteriormente descrito hoje foi elevado à categoria de estratégia imutável, de forma dogmática.

Renasce o debate que coloca o acento no particular, no peculiar, no nacional, no policentrismo. A aliança com a social-democracia, com a nova social-democracia ou com o progressismo é considerada “natural”. Participam de coalizões governamentais que aprovam medidas antioperárias e que estão conectadas aos períodos de crise capitalista, quando é preciso estabilizar o sistema e conter/controlar as respostas de insubordinação dos trabalhadores.

Com Lula ou Bachelet, com Obrador ou Sánchez, com qualquer um, não se dá um passo a favor do processo revolucionário. Mas prevalece a confusão, a colaboração de classes.

Temos clareza sobre a lição e não podemos repeti-la.


[1] Engels, Friedrich; Do socialismo utópico ao socialismo científico. Disponível em: < https://www.marxists.org/portugues/marx/1880/socialismo/index.htm>.

[2] Lênin, Vladimir Ilitch. Nosso programa. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1899/09/programa.htm.

[3] “Pela teoria Marxista-Leninista”. A Internacional Comunista, ano II, números 2 e 3; março de 1933.

[4] As Teses do X Congresso do PC italiano.


Fonte: Revista Comunista Internacional, nº 11, edição em português, Iskra - Associação de Estudos Marxistas Leninistas.












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