Luiz Carlos Prestes
25 de Março - 1981: O PCB Completa 59 Anos de Lutas Pelos Interesses dos Trabalhadores, Pelas Liberdades e Por Todas a Causas Justas de Nosso Povo.
A criação do PC no Brasil — fundado à luz e sob a influência do grande acontecimento histórico que foi a realização da revolução pelo proletariado da Rússia, dirigido pelo Partido Bolchevique, que tinha à sua frente o gênio de Lênin — foi, no fundamental, a consequência necessária do amadurecimento da classe operária que já sentia a necessidade de uma organização política própria, capaz de dirigir as lutas por suas reivindicações de classe e de lutar consequentemente por um novo regime político, de realizar transformações sociais profundas que libertem os trabalhadores da exploração de que são vítimas.
Luiz Carlos Prestes (1898-1990) |
Recordamos nesta data o pequeno grupo,
constituído, na sua quase totalidade, por operários e dirigentes sindicais (de
origem anarco-sindicalista), tendo à frente o intelectual de destaque que foi
Astrogildo Pereira, grupo que soube vencer todas as dificuldades e enfrentar mil
incompreensões para, voltado para o futuro, fundar em nosso País o primeiro
partido político dos oprimidos. Apesar de todas as perseguições, das repetidas
vezes que foi considerado totalmente aniquilado pelas forças reacionárias, este
partido manteve-se vivo e atuante, sempre ressurgindo com novo e maior vigor,
de forma a ser hoje a expressão inédita em nosso País do único partido político
que já entra no sexagésimo ano de vida. E isto num país como o nosso, cujo
atraso cultural e político está concretamente expresso na falta de organizações
políticas estáveis, já que as classes dominantes, para enganar a população,
diante de cada crise e da consequente desmoralização de seus partidos
políticos, tratam de modificar, na defesa de seus interesses, o nome dos partidos
políticos, de reduzi-los, por exemplo, a simples ajuntamentos políticos, como a
ARENA e o MDB, para, em seguida, como aconteceu recentemente, em nome de uma
chamada reestruturação partidária, dividir a "oposição" de maneira a
poder manter, através do voto, o sistema de dominação dos monopólios nacionais
e estrangeiros.
Nosso Partido não pode, na verdade, ser
eliminado, nem desaparecer, porque é a expressão política da classe mais
avançada da sociedade capitalista, aquela que, inexoravelmente, cresce com o
próprio desenvolvimento do capitalismo.
Desde sua fundação, nas dezenas de anos
decorridos, teve sempre o mérito de levantar e lutar com abnegação pelas
principais causas justas dos trabalhadores e das demais camadas sociais
oprimidas ou exploradas da população brasileira. Lutou sempre pela melhoria das
condições de vida dos trabalhadores, pela limitação da jornada de trabalho, por
uma legislação trabalhista mais justa, pela fixação pelo Estado de um salário
mínimo, bem como pelo 13º salário e demais reivindicações dos trabalhadores.
Foram os comunistas os primeiros a levantar o problema da reforma agrária,
lutar pela eliminação do latifúndio, contra as formas pré-capitalistas de
exploração dos trabalhadores do campo e pela entrega da terra aos que nela
efetivamente trabalham. Coube, também, aos comunistas a iniciativa, em nossa
terra, de desmascarar a opressão imperialista e dar passos importantes no
caminho da luta contra a exploração do nosso povo pelo capital estrangeiro.
Mesmo nas condições da mais brutal repressão policial, exerceram os comunistas
papel de destaque na luta em defesa das riquezas naturais da Nação, na luta
contra a entrega dos minérios e, em particular, do petróleo aos trustes
imperialistas, participando ativamente da histórica campanha pelo monopólio
estatal da exploração do petróleo. Nosso Partido, que mobilizou massas em
defesa da União Soviética, traiçoeiramente atacada pelo banditismo hitleriano,
sendo numerosos os seus membros que participaram do contingente militar que lutou
na Itália, após o fim da Segunda Guerra Mundial exigiu que os soldados
norte-americanos abandonassem o solo de nossa Pátria e fossem eliminadas as
bases militares íanques que durante a guerra foram instaladas em nosso País.
Participando sempre de todas as lutas pela redemocratização do País, além de
utilizar o voto, tanto na legalidade como nos períodos de maior repressão, os
comunistas se fizeram representar na Constituinte de 1946, na qual, apesar do
número reduzido de representantes que constituíam a bancada comunista, tiveram
papel destacado no esforço para que fossem registrados na Constituição de 1946
os principais direitos democráticos, inclusive o direito de greve para os
operários, de tal forma que, apesar das características fundamentais reacionárias
da referida Constituição, é ela, no terreno dos direitos civis, a mais
democrática que já teve nosso povo. Quando pesou sobre nosso povo a terrível
ameaça de fascistização do País, foram os comunistas que tiveram a iniciativa
de formar a ampla Aliança Nacional Libertadora e de empunhar armas em defesa da
democracia. Apesar dos erros que foram cometidos e que ainda não foram de
maneira suficiente analisados, o movimento armado de 1935 representa na vida de
nosso Partido o ponto mais elevado de sua atividade política — movimento
"Por Pão, Terra e Liberdade" — movimento que por ser patriótico e
honesto, não podia, como ensina Lênin, deixar de produzir frutos e de, apesar
de derrotado, não ter permitido a implantação de um regime fascista em nosso
País.
Prestes discursa na volta do exílio, 20/10/1979. |
Com o golpe militar reacionário de 1964,
mais uma vez, os comunistas, apesar dos erros cometidos e que contribuíram para
a vitória fácil da contra-revolução, continuaram resistindo e lutando pelas
liberdades democráticas e souberam travar uma justa luta contra as tendências
equivocadas daqueles que se lançaram, inoportunamente, à luta armada. Tanto no
período anterior ao golpe, como depois dele, foram numerosos os comunistas que
sacrificaram suas vidas na luta pelos interesses da classe operária e do povo.
Somente no governo do sr. Dutra, 55 companheiros tombaram sob as balas
assassinas da reação e, após 1964, durante o governo do sr, Geisel, morre na
tortura o heroico dirigente da Juventude Comunista — José Montenegro de Lima —
e são sequestrados e continuam até hoje desaparecidos os membros do CC:
David
Capistrano da Costa, Elson Costa, João Massena, Luís Maranhão Filho, Valter
Ribeiro, Hiran Pereira, Itair Veloso, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Nestor
Veras.
Citando estes nomes que refletem as
qualidades máximas do verdadeiro comunista, a honra e a dignidade do soldado do
proletariado, queremos aqui homenagear a todos os companheiros que nestes 59
anos de luta, sofreram nas prisões da reação e chegaram muitos deles até ao
sacrifício da própria vida pelos interesses dos trabalhadores, por um futuro de
felicidade para o povo, da liberdade, independência e progresso para a Pátria.
Seu sacrifício não foi em vão e a memória deles estará sempre presente na luta
dos comunistas pelo socialismo e pela instauração vitoriosa em nossa Terra da
sociedade comunista.
Mas a maior homenagem que a todos podemos
prestar consiste, agora, em sermos honestos conosco mesmos, em sermos capazes
de reconhecer que não tivemos a capacidade de fazer do PCB um partido
efetivamente revolucionário, de transformá-lo na vanguarda da classe operária,
na organização política capaz de conduzir os trabalhadores à revolução
socialista. No fundamental, o principal erro que cometemos consiste na
incapacidade de nossa parte de articular corretamente todas as lutas a que
anteriormente nos referimos com uma estratégia efetivamente revolucionária, com
uma estratégia que, partindo de uma análise correta da realidade brasileira,
apontasse o caminho para o socialismo nas condições de nosso País.
Na verdade, devemos reconhecer que não
conhecíamos e fomos incapazes de pôr em prática a grande lição de Lênin:
"É necessário dizer as coisas como elas são:
o Programa do Partido deve conter o que é absolutamente indiscutível, o que foi
efetivamente comprovado e só então será um programa marxista."
Onde estão, porém, as raízes do erro
cometido? Não podemos deixar de reconhecer que elas estão no nosso próprio
atraso cultural, como parcela que padece do efetivo atraso cultural da
sociedade brasileira, da consequente tendência a copiar ou transferir
mecanicamente soluções adotadas para organizações revolucionárias de outros
países para o nosso — dogmatismo, portanto —, além de nosso próprio
desconhecimento da realidade brasileira, a par de insuficiente conhecimento da
teoria marxista-leninista.
Olvidando que nosso país conquistara a
independência política no princípio do século XIX e que no fim do século
surgira a burguesia industrial, já na época do imperialismo e, por isso, já
nascida como uma burguesia dependente e associada do imperialismo, negávamos já
em pleno século XX que a formação econômico-social dominante no Brasil fosse a
capitalista, embora desde o início marcada como dependente, mas de qualquer
forma capitalista.
Víamos o Brasil como um país semicolonial
e chegamos a afirmar que dependia da eliminação da dominação imperialista e da
liquidação do latifúndio o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta falsa
apreciação da realidade nos levou, ainda em 1945, a definir o caráter da
revolução brasileira como democrático-burguesa, transpondo ao nosso Partido
aquilo que Lênin, com acerto, afirmava para as condições da Rússia czarista em
1905.
Negando o caráter capitalista da economia
brasileira, aplicávamos mecanicamente e esquematicamente em nosso País as Teses
para os países coloniais e semicoloniais aprovadas pelo VI Congresso da Internacional Comunista. Isto está expresso com bastante clareza no
Manifesto de 5 de julho de 1935, onde, estranhamente, a uma estratégia de
direita, porque negava que já se realizara no País a revolução burguesa,
adotávamos, simultaneamente, uma tática "esquerdista". Mas é nos
documentos da Conferência da Mantiqueira, de 1943, e nos elaborados a partir de
1945, que se torna mais claro ainda o caráter oportunista de direita da
estratégia que adotávamos.
Desconhecendo que em qualquer
circunstância, numa sociedade capitalista, a contradição fundamental é a
existente entre o proletariado e a burguesia, a pretexto da luta contra o
nazismo, defendíamos a unidade que "pode
e deve ser alcançada em torno do governo constituído, o que aí temos",
quer dizer, o Estado Novo getulista. Nos documentos da direção do Partido, já
por mim assinados, após a libertação em 1945 dos presos políticos, toda a
concepção da unidade nacional que pregávamos estava inteiramente ligada à visão
estratégica da luta pelo desenvolvimento do capitalismo na democracia que seria
conquistada e assegurada com a vitória mundial sobre o nazifascismo. Insistimos, portanto, em negar o caráter
capitalista da formação econômico-social dominante em nosso País, para nós
ainda considerado como semicolonial e semifeudal. Apresentávamos, por isso,
como contradição fundamental na sociedade brasileira, a existente entre a Nação
e o imperialismo. Erro de caráter oportunista, repetido até os documentos do VI
Congresso de 1967.
Negando-se à autocrítica dessa estratégia
oportunista de direita, o CC não quis compreender que estava superada a
Resolução Política do VI Congresso. A proposta a este respeito, feita na
reunião de maio de 1979, foi rejeitada com apenas dois votos a favor — o meu e
o de outro camarada. Insistia o CC em que a contradição fundamental na
sociedade brasileira fosse, ainda, a existente entre a Nação e o imperialismo.
Não tomava, nem ao menos, conhecimento da vitória que tiveram as delegações dos
Partidos Comunistas e Operários da América Latina, inclusive com a participação
do nosso, com a aprovação da Resolução dos Partidos Comunistas e Operários — na
Conferência Internacional de 1969 — em que já então separamos a análise da
situação concreta na maioria de nossos países daquela existente nos países
coloniais e semicoloniais da Ásia e África. Reconhece-se naquela Resolução:
"Na América Latina a maioria dos países
conquistou a independência estatal nos princípios do século passado; tiveram em
conjunto um relativo desenvolvimento capitalista; formou-se, cresce e se forja
na luta um numeroso proletariado, tanto na cidade como no campo..."
Negava-se também o CC a tomar conhecimento
da Resolução da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina e do
Caribe, realizada em 1975 em Havana, que já reconhecia que:
"...O Socialismo é o único sistema capaz de
garantir o desenvolvimento verdadeiro da América Latina com o ritmo acelerado
que exigem nossos povos..."
Insistindo na estratégia errada, oportunista
de direita, que já nos levou, durante tantos anos, a erros na política
cotidiana, assim como a profundas deformações na organização do Partido, o CC
revelou sua falta de honestidade e sua incapacidade moral para dirigir o
Partido.
Tanto mais que é impossível construir um
partido efetivamente revolucionário, capaz de enraizar-se na classe operária,
se se baseia numa falsa concepção da revolução. Não estará nessa orientação
estratégica direitista o completo insucesso na realização do que chegamos a
chamar de "Desafio Histórico" na Resolução do VI Congresso? E não
revela toda a história do movimento comunista que a falta de combate, de
esforços para combater essa estratégia de direita, leva inevitavelmente à
traição à classe operária, aos entendimentos espúrios com a reação e seus
governantes e também ao anti-sovietismo?
Enfim, as deformações em nosso Partido
chegaram a tal ponto que me senti no dever de escrever a "Carta aos
Comunistas". Nela chamo a atenção para que saibamos elaborar uma nova
estratégia, efetivamente revolucionária, que aponte para a construção do bloco
de forças antimonopolistas, capaz de conquistar, sob a direção da classe
operária, o poder político — antimonopolista, antiimperialista e
antilatifundiário — que abra caminho para o socialismo. Para alcançar essa meta
revolucionária, necessitamos construir um novo Partido, efetivamente
revolucionário, o que só se alcançará através do trabalho de massas e aplicando
uma política correta de alianças, que, através da conquista do mais amplo democratismo,
da conquista de uma democracia para as massas, que crie para a classe operária
as condições concretas para organizar o bloco de forças antimonopolistas,
indispensável para liquidar o poder dos monopólios e de, portanto, abrir
caminho para o Socialismo.
Ao entrarmos no sexagésimo ano de nosso
Partido, é esta a tarefa principal que enfrentamos, tarefa difícil, mas que
será vitoriosa na medida em que os comunistas forem capazes de reconhecer as
raízes dos erros que cometeram, que livres da cegueira oportunista dos que
defendem postos e só sabem ser comunistas na qualidade de dirigentes, sejam
capazes de realizar uma verdadeira autocrítica — única arma de que dispomos
para transformar os erros cometidos e as sérias deformações de que padece nossa
organização, nos ensinamentos que nos permitirão construir o Partido político
de que necessita a classe operária e nosso povo para conquistar a nova
sociedade, livre da exploração do homem pelo homem e chegarmos a construir em
nosso País a Sociedade Comunista.
Fonte: https://www.marxists.org/portugues/prestes/1981/03/aprender.htm
Publicação original: Prestes Hoje, Editora Codecri, 1983.
Edição: Que Fazer.
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