18.7.21

Pressões Ideológicas e Clarificações na Identidade Comunista do Partido Comunista do México

Pável Blanco Cabrera*

21 de julho de 2016

O Partido Comunista do México (PCM) seguiu um caminho sinuoso até se encontrar com o marxismo-leninismo, e só após o momento se tornou possível a unidade ideológica e orgânica plena – na realidade e não apenas nas palavras – o que por sua vez permitiu uma maior intervenção junto da classe operária, mais clara, e um aumento da sua influência ideológica, baseada no crescimento e desenvolvimento partidário, forjando quadros à sua imagem e semelhança, isto é, da necessidade concreta e da estratégia revolucionária.

Pável Blanco Cabrera

Os primeiros anos que se seguiram ao início da reorganização, um período que vai de 1994 até ao ano 2001, foram de grande confusão, de ecletismo, de procura da identidade e de definições que permitiram decantar os comunistas dos revisionistas, assim como recuperar de posições de classe, graças ao rearmamento ideológico a partir do marxismo-leninismo.

A própria atividade do Partido, a sua vida interna e ação política mostram quanto essas limitações tinham impacto, e até certo ponto anulavam o desenvolvimento do PCM.

Nunca é demais sublinhar o mérito dos camaradas perfilharam a Convocatória de 20 de novembro de 1994 e também o fato de, independentemente dos erros, das limitações, dos desvios, fixaram um objetivo básico: a reorganização de um partido comunista no nosso país. Isso permitiu que os esforços militantes não se dispersassem, que se concentrassem forças nessa direção, que as discussões tivessem a marca desse mesmo Partido.

O próprio nome inicial, Partido dos Comunistas Mexicanos, como o explicou várias vezes Sergio Quiroz [1], seu principal dirigente de 1994 até 2002, tinha que ver com um conceito lato, uma casa comum para todos os partidários do socialismo; esta concepção era adotada de uma visão deformada de Gramsci e da prática eurocomunista dos comunistas italianos, bem como da mutação sofrida pelo Partido Comunista Francês; tudo isto era explicado como uma transição até a recuperação do nome de partido comunista, que se atingiria pela via da unidade dos diversos destacamentos, que nesses anos reivindicavam a luta pelo socialismo.

A grande tarefa de reorganizar o partido da classe operária era torpedeada pelas ideias alheias ao marxismo-leninismo que tinham influência na núcleo dirigente do Partido.

Um balanço errado da derrota temporal do socialismo

Em 1994 era imprescindível, tal como agora, uma resposta científica para explicar o retrocesso temporal que significava o triunfo da contrarrevolução na União Soviética, em praticamente todo o campo socialista, para a luta de classes e para a própria humanidade. Então, as análises eram mediadas pela visão imposta pelo imperialismo como ideologia dominante, isto é, análises circunscritas à questão da democracia, dos direitos humanos, da liberdade. Consequentemente, as respostas inscreviam-se naqueles derrotismos, pois renunciava-se a aspetos fundamentais da teoria marxista, como a ditadura do proletariado e a via revolucionária, ao não resistir às pressões ideológicas do fim da história.

Não ter firmeza nestes assuntos tem a ver com o fato de, no período anterior, a identidade comunista ter sido internacionalmente atacada sem houvesse resposta contundente. Desde 1956, com a plataforma oportunista do XX Congresso do PCUS, a teoria dissolvente das vias específicas para o socialismo, o policentrismo, a coexistência pacífica, a colaboração de classes e, posteriormente, o eurocomunismo, a perestroika e, particularmente no nosso país, a confusão entre o «nacionalismo revolucionário», ou a ideologia burguesa da Revolução Mexicana, e as posições marxistas [2]. Além disso, como resultado de tudo isto, devido a influências alheias ao marxismo-leninismo, para explicar os novos fenômenos e a realidade da luta de classes na situação contrarrevolucionária e na procura de respostas verificou-se um refúgio na teoria crítica, no marxismo ocidental, nos estudos de outras correntes adversas ao movimento comunista internacional, como a nova esquerda, isto para citar apenas um exemplo.

A reorganização do partido da classe operária enfrentou assim desde o berço a alternativa do ecletismo ideológico e o seu inevitável fracasso, ou o retomar o marxismo-leninismo e o reencontro com a identidade comunista, despojando-a dos desvios e deformações do degelo «antistalinista» e do oportunismo que minou o movimento comunista internacional após 1956. No entanto, esta opção não era possível em 1994, e teria que passar quase uma década e três Congressos para que as definições fossem possíveis, com o desenvolvimento de novos quadros, muita controvérsia e as contribuições de vários partidos comunistas e operários.

Retomando o tema do balanço da construção socialista, nesses anos iniciais surgiram críticas contra o burocratismo, o estatismo [3], o unipartidarismo. Fez-se um balanço científico com base no método marxista? Estudaram-se os documentos do PCUS, o funcionamento do Estado e dos Sovietes? Trocaram-se opiniões com os cientistas marxistas-leninistas dos partidos irmãos? Estudaram-se as tendências, a estatísticas, falou-se com os operários? Não, aderiu-se apenas a posições superficiais de alguns intelectuais de esquerda e de partidos irmãos que davam opiniões cuja inconsistência ficou demonstrada.

Toda a responsabilidade foi atribuída a Stalin, de quem o PCUS se tinha desligado 35 anos antes, para depois ser atacado com virulência pela Glasnost e pela Perestroika. Também de modo superficial alguns camaradas responsabilizavam apenas o traidor Gorbatchov. Ambas as abordagens são erradas, não têm em conta o que o marxismo-leninismo ensina sobre a política como reflexo da economia, a dialética revolução/contrarrevolução, e a agudização da luta de classes. Erro crasso superestimar o papel das personalidades na história.

Sem qualquer coerência argumentativa e saltando de uma posição para outra e baseando-se num artigo de Gramsci [4], Sérgio Quiroz recuperava a posição de Kautsky de que a Revolução de Outubro era um erro histórico, desde princípio condenada ao fracasso, por não estarem maduras na Rússia czarista as condições de desenvolvimento capitalista; e que o atraso das relações de produção gerava «deformações». Sem pudor, usavam-se expressões anticientíficas como «experiência fracassada», «colapso», «modelo soviético».

Como consequência disto o Programa do nosso Partido era neste aspecto inexato, pois fixar como objetivo histórico o «humanismo socialista e a nova democracia socialista» – conceito derivado da demarcação da construção socialista no século XX – levava ao abandono da concepção marxista-leninista sobre a revolução e as suas leis, bem como à refutação da ditadura do proletariado. O Partido reorganizava-se transportando consigo essa grave falha que o separava temporalmente da plenitude da identidade comunista. Foi em Abril-Maio de 2001, no II Congresso, após 7 anos de debate, que se recuperou a ditadura do proletariado como elemento fundamental na ideologia e no programa dos comunistas do nosso país. E tiveram que decorrer mais de 20 anos para que o Partido contasse com um Programa coerente com os nossos princípios e objetivos nesta época de Revolução social, processo assumido no período que vai do IV Congresso em novembro de 2010 e fevereiro de 2011, até ao V Congresso, em setembro de 2014. Estas indefinições, insistimos, atrasaram o nosso desenvolvimento como um mal menor, quando enfrentávamos o risco da liquidação partidária.

A corrosão ideológica afetava o conjunto das posições teóricas do socialismo científico. Quando se revê a publicação teórica com que então contava o PCM, Os Cadernos do Marxismo, as falhas são evidentes. Os nossos dirigentes colocavam-se nas posições do «marxismo ocidental», atacando o materialismo dialético como determinista e dogmático; insistiam, uma e outra vez, no marxismo como um novo humanismo, e nas teorias do «jovem Marx». As antologias das escolas de quadros dos anos 1994-1998 centravam-se na versão eurocomunista de Gramsci, em Luckacs, Korsch, Fromm, Schaff, nos escritos juvenis de Marx e nos escritos de Lenine sobre a NEP. Foi toda uma batalha interna para recuperar o estudo de Marx, Engels e Lenine, e com os clássicos ganhar educação política e uma formação de quadros baseada no materialismo histórico, no materialismo dialético, na economia política e no socialismo científico.

É necessário entender este processo para apreciar por que razão o PCM esteve sujeito todos esses anos aos vendavais das modas teóricas, das correntes oportunistas e do ecletismo da intelectualidade pequeno-burguesa, que desde a academia se inscreve na esquerda. Recordemos o impacto nesse momento da categoria «Sociedade civil» para mascarar a luta de classes, retirada também do campo do marxismo. Quanto tempo perdido.

Adoção temporal de concessões alheias à teoria leninista do Partido

Fortemente impressionado com as alterações organizativas do PC Francês no seu XVIII Congresso, Sergio Quiroz desenvolveu esse modelo nas nossas fileiras: renuncia ao centralismo e substitui-o por consensos, como forma democrática da vida interna; substituição do Comité Central por um Conselho Nacional; substituição do Secretário-Geral por um Coordenador Nacional que se renovava a cada seis meses, provocando a instabilidade na equipa dirigente; o questionamento dos quadros profissionais do Partido, o que dava lugar a que só os camaradas provenientes da academia, com mais possibilidades materiais tivessem trabalho de direção permanente. Essa horizontalidade impedia uma imprensa regular, uma sede central, organizar o trabalho por sectores, orientar a intervenção e estabelecer prioridades. Como a política estratégica do Partido consistia em trabalhar para a unidade da esquerda, tudo se destinava ao trabalho de relações, à diplomacia, e descuidava-se o desenvolvimento do Partido, o seu crescimento, o recrutamento, o trabalho organizativo, as frentes operário-sindical, ideológica, financeira, editorial, etc. Eram formas organizativas dissolventes que necessitávamos confrontar, e confrontámos.

Sublinhemos que a base teórica dessa posição organizativa radicava no questionamento do papel do proletariado, da classe operária, porque na direção partidária, então, o tema em voga era o livro de Rifkin O fim do trabalho.

Em sintonia com o pensamento de Robert Hue e a mutação oportunista dos franceses, a direção do PCM desenvolveu o conceito do Partido como casa comum, o que significava o ecletismo ideológico, a renúncia à unidade ideológica. No Partido podiam militar marxistas-leninistas, maoístas, gramscianos, crentes, trotskistas, lombardistas, seguidores da Nova Esquerda. Contra isso houve que lutar, e de forma irreconciliável, o que implicou a expulsão do Partido dessas concepções e dos quadros que as sustentavam.

O Partido sem unidade ideológica, com formas organizativas mais próximas a um movimento, tinha que superar essa crise, sequela da contrarrevolução, mas também do revisionismo e do oportunismo dos anos anteriores, e o seu renascimento com um apego ilimitado ao marxismo-leninismo.

Agudizam-se as contradições, tornam-se necessárias as definições

Unia-nos a ideia da necessidade do partido comunista, do partido da classe operária, da crítica ao capitalismo, e, no entanto, estava evidenciada a incompatibilidade entre o marxismo-leninismo e estes renovadores, que tinham méritos inegáveis [5], mas na prática estavam a colocar uma camisa-de-força que impedia o Partido de avançar.

De 1994 até 2001 é inegável a hegemonia do núcleo dirigente, quer ideológica quer politicamente [6]; o inconformismo crescia e expressou-se no II Congresso. Havia dois caminhos: enfrentar individualmente, como fizeram vários camaradas que consideravam que o Partido não tinha conserto e que por isso se retiravam para a sua vida pessoal ou para outras expressões políticas, ou entrar no debate dentro das estruturas partidárias, procurando convencer a maioria.

A gota que fez transbordar o copo foi a proposta de Sergio Queiroz de adoção das teses de Negri-Hart em Império. Isso deu lugar a um debate sobre a vigência ou a perda da vigência do leninismo, não só na teoria do imperialismo, mas também da Revolução, do Partido, etc. Tivemos que recuperar os debates adiados, refutar os conceitos que se foram apurando como globalização, altermundismo, movimentismo, neoliberalismo, a democracia como valor absoluto; mas isso implicou também confrontar as teses oportunistas anteriores, como a via nacional, o debate dependência/interdependência.

Esta luta ideológica tinha que ser abordada conjuntamente, pois os assuntos em questão estavam interligados. É preciso reconhecer que, baseando-nos nós unicamente na nossa experiência, tínhamos limitações e que – tal e como corresponde a um movimento de natureza internacional «pelo seu conteúdo» – foi necessário aprender com a experiência de outros partidos comunistas e operários, e com as polémicas contemporâneas. A nossa experiência era também, em maior ou menor grau, um problema geral de outros partidos. Nós aprendemos muito com o Partido Comunista da Grécia e com a Revista Comunista Internacional.

Chegar às conclusões que hoje subscrevemos não foi um processo simples, nem automático no processo de reorganização partidária. Foi um caminho complexo e com incertezas, mas é uma conquista para o presente e para o futuro do Partido, que tem de ver a frente ideológica como vital para a existência e o desenvolvimento do PCM, mas também deve aprender-se que quando se enfrentam dificuldades não pode tomar-se a atitude «quimicamente pura» de voltar as costas ao Partido, mas que há que defender o marxismo-leninismo dentro do Partido, com franqueza, nos correspondentes escalões do Partido.

Foi a partir da superação dessas influências alheias, de nos rearmarmos com o marxismo-leninismo, que superámos essas pressões ideológicas exteriores, e que, pensamos, existe uma experiência para afrontar as que no futuro se apresentem. Além disso, se hoje existe um crescimento das fileiras partidárias e uma intervenção clara entre a classe operária, isso deve-se precisamente a esta premissa.

Notas:

[1] Sergio Quiroz Miranda foi membro do Comité Central e da direção Nacional do Partido Popular Socialista (PPS) onde, entre outras responsabilidades foi Secretário das Relações Internacionais e por isso organizador do Encontro de Partidos Comunistas e Operários da América Latina e do Caribe, realizado no México em 1994; foi várias vezes Deputado Federal do PPS e entre o ano 1993-1994 liderou uma corrente que criticava a viragem oportunista do PPS e lutou por transformá-lo num partido comunista. Em 1994 assistiu ao XXVIII Congresso do Partido Comunista Francês, onde foi eleito Roberto Hue, e dele regressou muito impressionado e sempre propôs que a mutação fosse o nosso modelo político e reorganizativo.

[2] Esta mistura tem a sua origem na justificação teórica que o PCM expressou nos anos 30 do século passado para apelar à aliançada classe operária com o cadernismo (ª) (durante a viragem da Frente Popular indicada pelo VII Congresso da Comintern), levado a um plano superior pela influência do browderismo no nosso país durante o pós-guerra, e posição ideológica programática definitiva depois de 1956, com a chamada via mexicana para o socialismo.

[3] Em muitos casos empregava-se “estatalismo”.

[4] Gramsci, Antonio; A Revolução contra o Capital.

[5] Entre outros méritos, um dos mais importantes foi o não se terem juntado à transfiguração ideológica e, contrariando as ideias liquidacionistas terem colocado no meio da escura noite contrarrevolucionária a necessidade de reorganizar o Partido, ainda que alguns anos depois tentassem travá-lo e, inconscientemente, condená-lo a uma nova liquidação.

[6] Tanto em 1997 com o apoio eleitoral a Cárdenas e ao PRD para o governo da cidade do México, como em 2000 com os convénios de apoio ao PRD, tal como a Cárdenas para a Presidência da República, como a López Obrador para o Governos da cidade do México

*Secretário Geral do Partido Comunista do México (PCM).

  Edição: Que Fazer.

 

 


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