Pável Blanco Cabrera*
21 de julho de 2016
O Partido Comunista do
México (PCM) seguiu um caminho sinuoso até se encontrar com o
marxismo-leninismo, e só após o momento se tornou possível a unidade ideológica
e orgânica plena – na realidade e não apenas nas palavras – o que por sua vez
permitiu uma maior intervenção junto da classe operária, mais clara, e um
aumento da sua influência ideológica, baseada no crescimento e desenvolvimento
partidário, forjando quadros à sua imagem e semelhança, isto é, da necessidade
concreta e da estratégia revolucionária.
Pável Blanco Cabrera |
Os primeiros anos que se seguiram ao início da reorganização, um período que vai de 1994 até ao ano 2001, foram de grande confusão, de ecletismo, de procura da identidade e de definições que permitiram decantar os comunistas dos revisionistas, assim como recuperar de posições de classe, graças ao rearmamento ideológico a partir do marxismo-leninismo.
A própria atividade do
Partido, a sua vida interna e ação política mostram quanto essas limitações
tinham impacto, e até certo ponto anulavam o desenvolvimento do PCM.
Nunca é demais
sublinhar o mérito dos camaradas perfilharam a Convocatória de 20 de novembro
de 1994 e também o fato de, independentemente dos erros, das limitações, dos
desvios, fixaram um objetivo básico: a reorganização de um partido comunista no
nosso país. Isso permitiu que os esforços militantes não se dispersassem, que
se concentrassem forças nessa direção, que as discussões tivessem a marca desse
mesmo Partido.
O próprio nome inicial,
Partido dos Comunistas Mexicanos, como o explicou várias vezes Sergio Quiroz
[1], seu principal dirigente de 1994 até 2002, tinha que ver com um conceito
lato, uma casa comum para todos os partidários do socialismo; esta concepção era
adotada de uma visão deformada de Gramsci e da prática eurocomunista dos
comunistas italianos, bem como da mutação sofrida pelo Partido Comunista
Francês; tudo isto era explicado como uma transição até a recuperação do nome
de partido comunista, que se atingiria pela via da unidade dos diversos
destacamentos, que nesses anos reivindicavam a luta pelo socialismo.
A grande tarefa de
reorganizar o partido da classe operária era torpedeada pelas ideias alheias ao
marxismo-leninismo que tinham influência na núcleo dirigente do Partido.
Um
balanço errado da derrota temporal do socialismo
Em 1994 era
imprescindível, tal como agora, uma resposta científica para explicar o
retrocesso temporal que significava o triunfo da contrarrevolução na União
Soviética, em praticamente todo o campo socialista, para a luta de classes e
para a própria humanidade. Então, as análises eram mediadas pela visão imposta
pelo imperialismo como ideologia dominante, isto é, análises circunscritas à
questão da democracia, dos direitos humanos, da liberdade. Consequentemente, as
respostas inscreviam-se naqueles derrotismos, pois renunciava-se a aspetos
fundamentais da teoria marxista, como a ditadura do proletariado e a via
revolucionária, ao não resistir às pressões ideológicas do fim da história.
Não ter firmeza nestes
assuntos tem a ver com o fato de, no período anterior, a identidade comunista
ter sido internacionalmente atacada sem houvesse resposta contundente. Desde
1956, com a plataforma oportunista do XX Congresso do PCUS, a teoria
dissolvente das vias específicas para o socialismo, o policentrismo, a
coexistência pacífica, a colaboração de classes e, posteriormente, o
eurocomunismo, a perestroika e, particularmente no nosso país, a confusão entre
o «nacionalismo revolucionário», ou a ideologia burguesa da Revolução Mexicana,
e as posições marxistas [2]. Além disso, como resultado de tudo isto, devido a
influências alheias ao marxismo-leninismo, para explicar os novos fenômenos e a
realidade da luta de classes na situação contrarrevolucionária e na procura de
respostas verificou-se um refúgio na teoria crítica, no marxismo ocidental, nos
estudos de outras correntes adversas ao movimento comunista internacional, como
a nova esquerda, isto para citar apenas um exemplo.
A reorganização do
partido da classe operária enfrentou assim desde o berço a alternativa do
ecletismo ideológico e o seu inevitável fracasso, ou o retomar o
marxismo-leninismo e o reencontro com a identidade comunista, despojando-a dos
desvios e deformações do degelo «antistalinista» e do oportunismo que minou o
movimento comunista internacional após 1956. No entanto, esta opção não era
possível em 1994, e teria que passar quase uma década e três Congressos para
que as definições fossem possíveis, com o desenvolvimento de novos quadros,
muita controvérsia e as contribuições de vários partidos comunistas e
operários.
Retomando o tema do
balanço da construção socialista, nesses anos iniciais surgiram críticas contra
o burocratismo, o estatismo [3], o unipartidarismo. Fez-se um balanço
científico com base no método marxista? Estudaram-se os documentos do PCUS, o
funcionamento do Estado e dos Sovietes? Trocaram-se opiniões com os cientistas
marxistas-leninistas dos partidos irmãos? Estudaram-se as tendências, a
estatísticas, falou-se com os operários? Não, aderiu-se apenas a posições
superficiais de alguns intelectuais de esquerda e de partidos irmãos que davam
opiniões cuja inconsistência ficou demonstrada.
Toda a responsabilidade
foi atribuída a Stalin, de quem o PCUS se tinha desligado 35 anos antes, para
depois ser atacado com virulência pela Glasnost e pela Perestroika. Também de
modo superficial alguns camaradas responsabilizavam apenas o traidor
Gorbatchov. Ambas as abordagens são erradas, não têm em conta o que o
marxismo-leninismo ensina sobre a política como reflexo da economia, a
dialética revolução/contrarrevolução, e a agudização da luta de classes. Erro
crasso superestimar o papel das personalidades na história.
Sem qualquer coerência
argumentativa e saltando de uma posição para outra e baseando-se num artigo de
Gramsci [4], Sérgio Quiroz recuperava a posição de Kautsky de que a Revolução
de Outubro era um erro histórico, desde princípio condenada ao fracasso, por
não estarem maduras na Rússia czarista as condições de desenvolvimento
capitalista; e que o atraso das relações de produção gerava «deformações». Sem
pudor, usavam-se expressões anticientíficas como «experiência fracassada»,
«colapso», «modelo soviético».
Como consequência disto
o Programa do nosso Partido era neste aspecto inexato, pois fixar como objetivo
histórico o «humanismo socialista e a nova democracia socialista» – conceito
derivado da demarcação da construção socialista no século XX – levava ao
abandono da concepção marxista-leninista sobre a revolução e as suas leis, bem
como à refutação da ditadura do proletariado. O Partido reorganizava-se
transportando consigo essa grave falha que o separava temporalmente da
plenitude da identidade comunista. Foi em Abril-Maio de 2001, no II Congresso,
após 7 anos de debate, que se recuperou a ditadura do proletariado como
elemento fundamental na ideologia e no programa dos comunistas do nosso país. E
tiveram que decorrer mais de 20 anos para que o Partido contasse com um
Programa coerente com os nossos princípios e objetivos nesta época de Revolução
social, processo assumido no período que vai do IV Congresso em novembro de
2010 e fevereiro de 2011, até ao V Congresso, em setembro de 2014. Estas
indefinições, insistimos, atrasaram o nosso desenvolvimento como um mal menor,
quando enfrentávamos o risco da liquidação partidária.
A corrosão ideológica
afetava o conjunto das posições teóricas do socialismo científico. Quando se
revê a publicação teórica com que então contava o PCM, Os Cadernos do Marxismo,
as falhas são evidentes. Os nossos dirigentes colocavam-se nas posições do «marxismo
ocidental», atacando o materialismo dialético como determinista e dogmático;
insistiam, uma e outra vez, no marxismo como um novo humanismo, e nas teorias
do «jovem Marx». As antologias das escolas de quadros dos anos 1994-1998
centravam-se na versão eurocomunista de Gramsci, em Luckacs, Korsch, Fromm,
Schaff, nos escritos juvenis de Marx e nos escritos de Lenine sobre a NEP. Foi
toda uma batalha interna para recuperar o estudo de Marx, Engels e Lenine, e
com os clássicos ganhar educação política e uma formação de quadros baseada no
materialismo histórico, no materialismo dialético, na economia política e no
socialismo científico.
É necessário entender
este processo para apreciar por que razão o PCM esteve sujeito todos esses anos
aos vendavais das modas teóricas, das correntes oportunistas e do ecletismo da
intelectualidade pequeno-burguesa, que desde a academia se inscreve na
esquerda. Recordemos o impacto nesse momento da categoria «Sociedade civil»
para mascarar a luta de classes, retirada também do campo do marxismo. Quanto
tempo perdido.
Adoção
temporal de concessões alheias à teoria leninista do Partido
Fortemente
impressionado com as alterações organizativas do PC Francês no seu XVIII
Congresso, Sergio Quiroz desenvolveu esse modelo nas nossas fileiras: renuncia
ao centralismo e substitui-o por consensos, como forma democrática da vida
interna; substituição do Comité Central por um Conselho Nacional; substituição
do Secretário-Geral por um Coordenador Nacional que se renovava a cada seis meses,
provocando a instabilidade na equipa dirigente; o questionamento dos quadros
profissionais do Partido, o que dava lugar a que só os camaradas provenientes
da academia, com mais possibilidades materiais tivessem trabalho de direção
permanente. Essa horizontalidade impedia uma imprensa regular, uma sede
central, organizar o trabalho por sectores, orientar a intervenção e
estabelecer prioridades. Como a política estratégica do Partido consistia em
trabalhar para a unidade da esquerda, tudo se destinava ao trabalho de
relações, à diplomacia, e descuidava-se o desenvolvimento do Partido, o seu
crescimento, o recrutamento, o trabalho organizativo, as frentes
operário-sindical, ideológica, financeira, editorial, etc. Eram formas
organizativas dissolventes que necessitávamos confrontar, e confrontámos.
Sublinhemos que a base
teórica dessa posição organizativa radicava no questionamento do papel do
proletariado, da classe operária, porque na direção partidária, então, o tema
em voga era o livro de Rifkin O fim do trabalho.
Em sintonia com o
pensamento de Robert Hue e a mutação oportunista dos franceses, a direção do
PCM desenvolveu o conceito do Partido como casa comum, o que significava o
ecletismo ideológico, a renúncia à unidade ideológica. No Partido podiam militar
marxistas-leninistas, maoístas, gramscianos, crentes, trotskistas,
lombardistas, seguidores da Nova Esquerda. Contra isso houve que lutar, e de
forma irreconciliável, o que implicou a expulsão do Partido dessas concepções e
dos quadros que as sustentavam.
O Partido sem unidade
ideológica, com formas organizativas mais próximas a um movimento, tinha que
superar essa crise, sequela da contrarrevolução, mas também do revisionismo e
do oportunismo dos anos anteriores, e o seu renascimento com um apego ilimitado
ao marxismo-leninismo.
Agudizam-se
as contradições, tornam-se necessárias as definições
Unia-nos a ideia da
necessidade do partido comunista, do partido da classe operária, da crítica ao
capitalismo, e, no entanto, estava evidenciada a incompatibilidade entre o
marxismo-leninismo e estes renovadores, que tinham méritos inegáveis [5], mas
na prática estavam a colocar uma camisa-de-força que impedia o Partido de
avançar.
De 1994 até 2001 é
inegável a hegemonia do núcleo dirigente, quer ideológica quer politicamente
[6]; o inconformismo crescia e expressou-se no II Congresso. Havia dois
caminhos: enfrentar individualmente, como fizeram vários camaradas que
consideravam que o Partido não tinha conserto e que por isso se retiravam para
a sua vida pessoal ou para outras expressões políticas, ou entrar no debate
dentro das estruturas partidárias, procurando convencer a maioria.
A gota que fez
transbordar o copo foi a proposta de Sergio Queiroz de adoção das teses de
Negri-Hart em Império. Isso deu lugar a um debate sobre a vigência ou a perda
da vigência do leninismo, não só na teoria do imperialismo, mas também da
Revolução, do Partido, etc. Tivemos que recuperar os debates adiados, refutar
os conceitos que se foram apurando como globalização, altermundismo, movimentismo,
neoliberalismo, a democracia como valor absoluto; mas isso implicou também
confrontar as teses oportunistas anteriores, como a via nacional, o debate
dependência/interdependência.
Esta luta ideológica
tinha que ser abordada conjuntamente, pois os assuntos em questão estavam
interligados. É preciso reconhecer que, baseando-nos nós unicamente na nossa
experiência, tínhamos limitações e que – tal e como corresponde a um movimento
de natureza internacional «pelo seu conteúdo» – foi necessário aprender com a
experiência de outros partidos comunistas e operários, e com as polémicas
contemporâneas. A nossa experiência era também, em maior ou menor grau, um
problema geral de outros partidos. Nós aprendemos muito com o Partido Comunista
da Grécia e com a Revista Comunista Internacional.
Chegar às conclusões
que hoje subscrevemos não foi um processo simples, nem automático no processo
de reorganização partidária. Foi um caminho complexo e com incertezas, mas é
uma conquista para o presente e para o futuro do Partido, que tem de ver a
frente ideológica como vital para a existência e o desenvolvimento do PCM, mas
também deve aprender-se que quando se enfrentam dificuldades não pode tomar-se
a atitude «quimicamente pura» de voltar as costas ao Partido, mas que há que
defender o marxismo-leninismo dentro do Partido, com franqueza, nos
correspondentes escalões do Partido.
Foi a partir da
superação dessas influências alheias, de nos rearmarmos com o
marxismo-leninismo, que superámos essas pressões ideológicas exteriores, e que,
pensamos, existe uma experiência para afrontar as que no futuro se apresentem.
Além disso, se hoje existe um crescimento das fileiras partidárias e uma
intervenção clara entre a classe operária, isso deve-se precisamente a esta
premissa.
Notas:
[1] Sergio Quiroz
Miranda foi membro do Comité Central e da direção Nacional do Partido Popular
Socialista (PPS) onde, entre outras responsabilidades foi Secretário das
Relações Internacionais e por isso organizador do Encontro de Partidos
Comunistas e Operários da América Latina e do Caribe, realizado no México em
1994; foi várias vezes Deputado Federal do PPS e entre o ano 1993-1994 liderou
uma corrente que criticava a viragem oportunista do PPS e lutou por
transformá-lo num partido comunista. Em 1994 assistiu ao XXVIII Congresso do
Partido Comunista Francês, onde foi eleito Roberto Hue, e dele regressou muito
impressionado e sempre propôs que a mutação fosse o nosso modelo político e
reorganizativo.
[2] Esta mistura tem a
sua origem na justificação teórica que o PCM expressou nos anos 30 do século
passado para apelar à aliançada classe operária com o cadernismo (ª) (durante a
viragem da Frente Popular indicada pelo VII Congresso da Comintern), levado a
um plano superior pela influência do browderismo no nosso país durante o
pós-guerra, e posição ideológica programática definitiva depois de 1956, com a
chamada via mexicana para o socialismo.
[3] Em muitos casos
empregava-se “estatalismo”.
[4] Gramsci, Antonio; A
Revolução contra o Capital.
[5] Entre outros
méritos, um dos mais importantes foi o não se terem juntado à transfiguração
ideológica e, contrariando as ideias liquidacionistas terem colocado no meio da
escura noite contrarrevolucionária a necessidade de reorganizar o Partido,
ainda que alguns anos depois tentassem travá-lo e, inconscientemente, condená-lo
a uma nova liquidação.
[6] Tanto em 1997 com o
apoio eleitoral a Cárdenas e ao PRD para o governo da cidade do México, como em
2000 com os convénios de apoio ao PRD, tal como a Cárdenas para a Presidência
da República, como a López Obrador para o Governos da cidade do México
*Secretário Geral do Partido Comunista do México (PCM).
Edição: Que Fazer.
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