Antonio Gramsci* (7-10-1924)
Na crise política pela liquidação do fascismo, o bloco de oposição parece ser progressivamente um fator de ordem secundária. Sua composição social heterogênea, suas vacilações, e sua aversão a uma luta das massas populares contra o regime fascista, reduz suas ações a uma campanha jornalística e a intrigas parlamentares, as quais combatem impotentemente contra a milícia armada fascista.
No movimento de oposição ao fascismo, o
papel mais importante passou para o Partido Liberal porque o bloco não possui outro
programa para opor ao fascismo que não o velho programa liberal da democracia
parlamentar burguesa, o retorno para a constituição, para a legalidade, para a
democracia. Na discussão a respeito da sucessão ao fascismo, de acordo com o
congresso do Partido Liberal, o povo italiano é colocado pela oposição diante
de uma escolha: ou fascismo ou liberalismo; ou um governo ditatorial sangrento
de Mussolini ou um governo de Slandri, Gioliotti, Amendola, Turati, Sturzo ou
Vella, tendendo ao reestabelecimento da boa e velha democracia liberal
italiana, em que a burguesia continuará, sob essa máscara, a exercer sua lei
exploratória.
O operário, o camponês, que por anos
odiaram o fascismo que os oprime, acreditam ser necessário, para liquidá-lo,
aliar-se com a burguesia liberal, apoiar aqueles que no passado, quando
estiveram no poder, apoiaram e armaram o fascismo contra os proletários e
camponeses, e que há alguns meses atrás formaram um bloco sólido com o fascismo
e repartiram a responsabilidade por seus crimes. E é assim a maneira como a
questão da liquidação do fascismo está posta? Não! A liquidação do fascismo
deve ser a liquidação da burguesia que o criou.
Quando o Partido Comunista, nos dias que
se seguiram ao assassinato de Matteoti, apresentou as palavras de ordem:
“Abaixo ao governo de assassinos! Dissolução da milícia fascista!”, não pensou
que o governo de assassinos deveria ser substituído por um governo daqueles que
em todas as suas políticas abriram o caminho e armaram os assassinos; nunca
pensou que Giolitti, Nitti e Amendola, os quais estavam no poder quando a
milícia fascista foi formada, seriam capazes de desarmar essa milícia à qual
foram favoráveis e à qual armaram contra a classe trabalhadora.
Erguendo essas palavras de ordem, nosso
partido não visou substituir o fascismo derrocado pelo velho liberalismo, cujo
fracasso vexaminoso e liquidação definitiva foi assinalado pela Marcha sobre
Roma. O Partido Comunista, desde o começo da crise do fascismo, afirmou que a
classe trabalhadora e os camponeses deveriam ser os coveiros e sucessores
daqueles no poder.
A ação da massa dos
proletários industriais e dos camponeses é necessária para a derrota do
fascismo, para a luta de classes com todas as suas consequências. Sem dúvida
alguma o proletariado deveria e deve usar, em sua luta contra o fascismo, das
contradições e conflitos que se desenvolveram internamente a burguesia e a
pequena-burguesia. Mas sem ação direta, o fascismo jamais poderá ser derrubado.
Colocar o problema dessa maneira significaria, ao mesmo tempo, colocar a
questão da sucessão ao fascismo. Com a derrota do fascismo pela ação das massas
operárias e camponesas, o liberalismo não terá lugar em sua sucessão: esse
direito pertence ao governo dos trabalhadores e camponeses, que apenas eles
serão capazes e terão a determinação sincera para desarmar a milícia fascista,
armando a classe trabalhadora e os camponeses.
No presente momento, trata-se de uma
questão distinta do retorno à constituição, à democracia e ao liberalismo.
Estes últimos são palavras sorrateiras que a burguesia usa para enganar os
trabalhadores da cidade e do campo, para impedir que a crise tome seu caráter
verdadeiro, que é a vingança dos trabalhadores e camponeses contra o fascismo
que os reprimiu e contra o liberalismo que os enganou, e que há alguns meses
atrás colaboraram ou procuraram colaborar (D’Aragona, Baldesi, etc.) com
Mussolini.
A crise italiana só pode ser resolvida com
a ação das massas trabalhadoras. Não há possibilidade de liquidação do fascismo
no plano das intrigas parlamentares, apenas um compromisso que deixa a
burguesia na dianteira com o fascismo armado a seu serviço. O Liberalismo,
mesmo se inoculado com as glândulas do macaco reformista, é impotente. Pertence
ao passado. E todos os Don Struzos da Itália, unidos com os Turatis e os
Vellas, não terão sucesso em retomar sua jovialidade necessária para a
liquidação do fascismo.
Um governo das classes dos trabalhadores e
camponeses, que não irá se preocupar nem com a constituição nem com os
princípios sagrados do liberalismo, mas que está determinado em derrotar
definitivamente o fascismo, desarmá-lo e defender os interesses dos
trabalhadores da cidade e do campo contra todos os exploradores, essa sozinha é
a única força jovem capaz de liquidar um passado de opressão, de exploração e
crime e de dar um futuro de verdadeira liberdade a todos que trabalham.
Hoje, o Partido Comunista é o único que
repete essa verdade ao proletariado. Sua influência aumenta, sua organização
está se desenvolvendo, mas a maioria dos trabalhadores e camponeses, arrastados
pela Confederação do Trabalho e Partido Maximalista, em seu lado avançando sobre
a oposição constitucional emergente, ainda não readquiriram sua consciência de
classe, ainda não entenderam que as classes operária e camponesa são o
principal fator nessa crise porque possuem números irresistíveis e a grande
força da juventude. Se não se quer iludir deve-se agir no plano da luta de
classe enquanto uma força independente, que será em breve determinante, e não
no plano da colaboração de classe no sentido de não fazer nada a não ser mudar
a máscara da burguesia italiana.
A tarefa essencial de nosso partido
consiste em penetrar essa ideia fundamental entre os operários e camponeses:
somente a luta de classe das massas operárias e camponesas derrotarão o
fascismo. Somente um governo de operários e camponeses pode desarmar a milícia
fascista. Quando tais ideias essenciais tiverem penetrado o espírito das massas
operárias e camponesas por meio de nossa incansável propaganda, os
trabalhadores das fábricas e dos campos, ou qualquer outro partido, entenderão
a necessidade de construir Comitês Operários e Camponeses para a defesa de seus
interesses de classe e para a luta contra o fascismo.
Eles entenderão que esses são os
instrumentos necessários da luta revolucionária e de sua vontade de substituir
o governo de assassinos por um governo de operários e camponeses. No momento de
fechamento do Congresso Liberal, que procura ainda vencer sobre o povo
trabalhador, de um lado a outro da Itália os operários e camponeses responderão
a sua sonora e vazia tagarelice com: Nem Fascismo, Nem Liberalismo: Sovietismo!
*Antonio Francesco Gramsci
(Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) Foi membro-fundador e
secretário-geral do Partido Comunista da Itália, deputado pelo distrito do
Vêneto, preso pelo governo fascista de Mussolini. Depois de passar dez anos no
cárcere, Gramsci é internado com a saúde já muito debilitada, morre dois dias
após receber a notícia da sua liberdade.
Edição: Que Fazer
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