Lenin**
[...] No domínio da política, o revisionismo tentou rever o que realmente constitui a base do marxismo, ou seja, a teoria da luta de classes. A liberdade política, a democracia, o sufrágio universal, destroem a base da luta de classes – diziam-nos os revisionistas – e desmentem o velho princípio do Manifesto Comunista de que os operários não têm pátria. Uma vez que na democracia impera a “vontade da maioria”, não devemos ver no Estado, segundo eles, o órgão da dominação de classe, nem negar-nos a entrar em alianças com a burguesia progressista, social-reformista, contra os reacionários.
É indiscutível que estas objeções dos
revisionistas se reduziam a um sistema bastante coerente de concepções, a
saber: as sobejamente conhecidas concepções burguesas liberais. Os liberais
disseram sempre que o parlamentarismo burguês suprime as classes e as
diferenças de classe, visto que todos os cidadãos sem exceção têm direito de
voto e de intervir nos assuntos do Estado. Toda a história da Europa na segunda
metade do século XIX e toda a história da revolução russa, em princípios do
século XX, demonstram à evidência como são absurdas tais concepções. Com as
liberdades do capitalismo “democrático”, as diferenças econômicas, longe de se
atenuarem, acentuam-se e agravam-se. O parlamentarismo não elimina, antes põe a
nu, a essência das repúblicas burguesas mais democráticas como órgãos de
opressão de classe. Ajudando a esclarecer e educar massas de população
incomparavelmente mais extensas do que as que antes participavam de modo ativo
nos acontecimentos políticos, o parlamentarismo prepara assim, não a supressão
das crises e das revoluções políticas, mas a maior agudização da guerra civil
durante essas revoluções. Os acontecimentos de Paris, na Primavera de 1871, e
os da Rússia, no Inverno de 1905, mostraram, com excepcional clareza, como esta
agudização se produz inevitavelmente. A burguesia francesa, para esmagar o
movimento proletário, não vacilou nem um segundo em pactuar com o inimigo de
toda a nação, com as tropas estrangeiras que tinham arruinado a sua pátria.
Quem não compreender a inevitável dialética interna do parlamentarismo e da
democracia burguesa, que conduz a solucionar a disputa pela violência de massas
de modo ainda mais brutal do que anteriormente, jamais saberá desenvolver, na
base desse parlamentarismo, uma propaganda e uma agitação consequentes do ponto
de vista dos princípios, que preparam verdadeiramente as massas operárias para
participarem vitoriosamente em tais “disputas”. A experiência das alianças, dos
acordos, dos blocos com o liberalismo social-reformista no Ocidente e com o reformismo
liberal (democratas-constitucionalistas¹) na revolução russa, demonstrou, de
maneira convincente, que esses acordos não fazem senão embotar a consciência
das massas, não reforçando, mas debilitando o significado real da sua luta,
unindo os lutadores aos elementos menos capazes de lutar, aos elementos mais
vacilantes e traidores. O "millerandismo"² francês – a maior
experiência de aplicação da táctica política revisionista numa vasta escala,
realmente nacional – deu-nos uma apreciação prática do revisionismo que o
proletariado do mundo inteiro jamais esquecerá.
O complemento natural das tendências
económicas e políticas do revisionismo era a sua atitude em relação ao objetivo
final do movimento socialista. “O objetivo final não é nada, o movimento é
tudo” - esta frase proverbial de Bernstein exprime a essência do revisionismo
melhor do que muitas longas dissertações. A política revisionista consiste em
determinar o seu comportamento em função das circunstâncias, em adaptar-se aos
acontecimentos do dia, às viragens dos pequenos fatos políticos, em esquecer os
interesses fundamentais do proletariado e os traços essenciais de todo o regime
capitalista, de toda a evolução do capitalismo, em sacrificar estes interesses
fundamentais em favor das vantagens reais ou supostas do momento. E da própria
essência desta política se deduz, com toda a evidência, que pode tomar formas
infinitamente variadas e que cada problema um pouco “novo”, cada viragem um
pouco inesperada e imprevista dos acontecimentos – embora tal viragem só altere
a linha fundamental do desenvolvimento em proporções mínimas e pelo prazo mais
curto – dará sempre, inevitavelmente, origem a esta ou àquela variedade de
revisionismo. [...]
* Fonte: "Marxismo
e Revisionismo", 1908, V.I. LENINE
Obras Escolhidas, Editora Alfa-Omega, Vol. I, 3ª edição. p. 40, 1986.
** Vladimir Ilyich
Ulianov (1870/1924): Revolucionário marxista, político comunista, principal
dirigente e teórico do Partido Bolchevique, líder da Revolução de Outubro na
Rússia em 1917.
¹ Partido
Democrata-Constitucionalista ("cadetes"): principal partido da
burguesia monárquica liberal na Rússia, foi formado em outubro de 1905. Faziam
parte dele representantes da burguesia, dos latifundiários e dos intelectuais
burgueses. Depois da vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro os
democratas-constitucionalistas mostraram-se inimigos irreconciliáveis do Poder
Soviético, tomaram parte em todas as ações armadas contra-revolucionárias e
campanhas dos intervencionistas.
² Millerandismo
(ministerialismo): corrente oportunista na socialdemocracia, assim designada
segundo o nome do socialista-reformista francês Millerand que, em 1899, entrou
no governo burguês reacionário da França e apoiou a sua política antipopular.
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