30.7.21

As Seis Características Fundamentais de um Partido Comunista*

 Álvaro Cunhal**, 09/2001.

[...] O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.

O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.

Álvaro Cunhal

Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objetivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.

Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objetivos e da sua ação.

Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites.

Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.

Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.

- Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.

Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria ação, nos próprios objetivos, na própria ideologia.

A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência, mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.

- Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.

Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só, mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.

Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.

A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutra na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.

- Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direção central.

A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho coletivo, direção coletiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e ação política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direção central e de todas as organizações.

A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido atua.

Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.

- Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.

Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e ação dos partidos comunistas.

Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena atualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países. 

- Ser um partido que define, como seu objetivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.

Este objetivo tem também plena atualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objetivo dos partidos comunistas.

- Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.

Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialética, criativa, que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenômenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.

Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu, porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.

Deve-se a Lenin, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.

Estes desenvolvimentos da teoria têm extraordinário valor. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.

Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lenin indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.

Na filosofia, o materialismo-dialético, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.

Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.

Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.

Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.

Daí o caráter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.


* Trecho da intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição.

** Álvaro Cunhal, nasceu em Coimbra em 1913 e iniciou a sua atividade revolucionária quando estudante na Faculdade de Direito de Lisboa. Participou no movimento associativo e foi eleito em 1934 como o representante dos estudantes no Senado Universitário. Foi militante da Federação da Juventude Comunista Portuguesa (FJCP) sendo eleito seu Secretário-Geral em 1935, ano em que passou à clandestinidade e participou, em Moscou, no IV Congresso da Internacional Juvenil Comunista. Membro do Partido Comunista Português (PCP) desde 1931.

Preso em 1937 e 1940 e submetido a torturas, voltou imediatamente à luta logo que libertado depois de alguns meses de prisão.

Participou na reorganização do PCP, em 1940/41. Vivendo de novo na clandestinidade, foi membro do Secretariado de 1942 a 1949.

Preso de novo nesse ano fez no Tribunal fascista uma severa acusação à ditadura fascista e a defesa da política do Partido. Condenado, veio a permanecer 11 anos seguidos nas cadeias fascistas, quase 8 anos dos quais em completo isolamento. Em 3 de Janeiro de 1960 evadiu-se da prisão-fortaleza de Peniche junto com um grupo de destacados militantes comunistas. De novo chamado ao Secretariado do Comité Central, foi eleito Secretário-Geral do PCP, em 1961.

Desde então, participou em inúmeros congressos e encontros com partidos comunistas e outras forças revolucionárias e em conferências internacionais.

Depois do derrubamento da ditadura fascista em 25 de Abril de 1974, foi Ministro sem Pasta do 1º, 2º, 3º e 4º governos provisórios e eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1975 e à Assembleia da República em 1976, 1979, 1980, 1983, 1985, 1987. Foi membro do Conselho de Estado.

Na aplicação das decisões do XIV Congresso do PCP (em 1992) relativas à renovação e à nova estrutura de direção deixou de ser Secretário-Geral do PCP e foi eleito pelo Comité Central Presidente do Conselho Nacional do Partido.

Em Dezembro de 1996 (no XV Congresso do PCP) extinto o Conselho Nacional do PCP e o cargo de Presidente, foi reeleito membro do Comité Central, o que sucedeu também nos XVI e XVII Congressos, respectivamente em 2000 e 2004.

Autor de vasta obra publicada quer no plano político e ideológico, quer no plano literário, nomeadamente com o pseudônimo de "Manuel Tiago", quer ainda no plano das artes plásticas.

Fonte: https://www.resistir.info/portugal/seis_caracteristicas.html

Edição: Que Fazer.


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