Álvaro Cunhal**, 09/2001.
[...] O quadro das forças
revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século
XX.
O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.
Álvaro Cunhal |
Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objetivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.
Esta nova situação no
movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual
tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições
concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em
aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objetivos e da sua ação.
Por isso, quando se
fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se
fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros
partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma
nova composição e novos limites.
Estes acontecimentos
não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam
falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua
identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e
insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de
sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.
Entretanto, com
diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis
características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este
ou outro nome.
1ª - Ser um partido
completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças
das forças do capital.
Trata-se de uma
independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um
partido comunista. Afirma-se na própria ação, nos próprios objetivos, na
própria ideologia.
A ruptura com essas
características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência,
mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.
2ª - Ser um partido da
classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.
Segundo a estrutura
social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e
da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é
essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para
dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só,
mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às
massas trabalhadoras.
Não tendo isto em
conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da
força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.
A substituição da
natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos”
significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir
o partido a uma posição neutra na luta de classes – o que na prática desarma o
partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da
política das classes exploradoras dominantes.
3ª - Ser um partido com
uma vida democrática interna e uma única direção central.
A democracia interna é
particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho coletivo, direção coletiva,
congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da
orientação e ação política, descentralização de responsabilidades e eleição dos
órgãos de direção central e de todas as organizações.
A aplicação destes
princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido
atua.
Nas condições de
ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa
democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável
que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.
4ª - Ser um partido
simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.
Ao contrário do que em
certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre
estes dois elementos da orientação e ação dos partidos comunistas.
Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena atualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países.
5ª - Ser um partido que
define, como seu objetivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem
exploradores, uma sociedade socialista.
Este objetivo tem
também plena atualidade. Mas as experiências positivas e negativas da
construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na
situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição
da sociedade socialista como objetivo dos partidos comunistas.
6ª - Ser um partido
portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna
possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.
Desmentindo todas as
caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva,
antidogmática, dialética, criativa, que se enriquece com a prática e com as
respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenômenos.
Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da
prática.
Marx no “O Capital” e
Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os
elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do
capitalismo sofreu, porém, na segunda metade do século XIX, uma importante
modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao
monopólio.
Deve-se a Lenin, na sua
obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo
nos finais do século XIX.
Estes desenvolvimentos
da teoria têm extraordinário valor. E igual valor têm a investigação e a
sistematização dos conhecimentos teóricos.
Numa síntese de
extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lenin indica “as três
fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.
Na filosofia, o
materialismo-dialético, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à
sociedade.
Na economia política, a
análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a
teoria da mais-valia.
Na teoria do
socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do
homem pelo homem.
Ao longo do século XX,
acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas
tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas,
contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos
teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.
Daí o caráter
imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas,
procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a
reflexão comum.
* Trecho da intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição.
** Álvaro Cunhal, nasceu em Coimbra em 1913 e iniciou a sua atividade revolucionária quando estudante na Faculdade de Direito de Lisboa. Participou no movimento associativo e foi eleito em 1934 como o representante dos estudantes no Senado Universitário. Foi militante da Federação da Juventude Comunista Portuguesa (FJCP) sendo eleito seu Secretário-Geral em 1935, ano em que passou à clandestinidade e participou, em Moscou, no IV Congresso da Internacional Juvenil Comunista. Membro do Partido Comunista Português (PCP) desde 1931.
Preso em 1937 e 1940 e
submetido a torturas, voltou imediatamente à luta logo que libertado depois de
alguns meses de prisão.
Participou na
reorganização do PCP, em 1940/41. Vivendo de novo na clandestinidade, foi
membro do Secretariado de 1942 a 1949.
Preso de novo nesse ano
fez no Tribunal fascista uma severa acusação à ditadura fascista e a defesa da
política do Partido. Condenado, veio a permanecer 11 anos seguidos nas cadeias
fascistas, quase 8 anos dos quais em completo isolamento. Em 3 de Janeiro de
1960 evadiu-se da prisão-fortaleza de Peniche junto com um grupo de destacados
militantes comunistas. De novo chamado ao Secretariado do Comité Central, foi
eleito Secretário-Geral do PCP, em 1961.
Desde então, participou
em inúmeros congressos e encontros com partidos comunistas e outras forças
revolucionárias e em conferências internacionais.
Depois do derrubamento
da ditadura fascista em 25 de Abril de 1974, foi Ministro sem Pasta do 1º, 2º,
3º e 4º governos provisórios e eleito deputado à Assembleia Constituinte em
1975 e à Assembleia da República em 1976, 1979, 1980, 1983, 1985, 1987. Foi
membro do Conselho de Estado.
Na aplicação das
decisões do XIV Congresso do PCP (em 1992) relativas à renovação e à nova
estrutura de direção deixou de ser Secretário-Geral do PCP e foi eleito pelo
Comité Central Presidente do Conselho Nacional do Partido.
Em Dezembro de 1996 (no
XV Congresso do PCP) extinto o Conselho Nacional do PCP e o cargo de
Presidente, foi reeleito membro do Comité Central, o que sucedeu também nos XVI
e XVII Congressos, respectivamente em 2000 e 2004.
Autor de vasta obra
publicada quer no plano político e ideológico, quer no plano literário,
nomeadamente com o pseudônimo de "Manuel Tiago", quer ainda no plano
das artes plásticas.
Fonte: https://www.resistir.info/portugal/seis_caracteristicas.html
Edição: Que Fazer.
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