24.10.21

As Lições da Revolução

Lenin

12 de novembro de 1910

"Ninguém nos trará a salvação nem deus, nem rei, nem herói; conquistemos nós a libertação com as nossas próprias mãos." 

Decorreram cinco anos desde que, em outubro de 1905, a classe operária da Rússia desferiu o primeiro golpe poderoso na autocracia tzarista. Nessas grandes jornadas, o proletariado ergueu milhões de trabalhadores para a luta contra os seus opressores. Conquistou para si, em alguns meses de 1905, melhorias que os operários haviam esperado em vão das "autoridades" durante dezenas de anos. O proletariado conquistou para todo o povo russo, embora por um breve período, a liberdade de imprensa, de reunião e de associação, nunca vista na Rússia. Varreu do seu caminho a falsificada Duma de Bulíguine, arrancou ao tzar o manifesto sobre a constituição e tornou impossível de uma vez para sempre governar a Rússia sem instituições representativas.



As grandes vitórias do proletariado revelaram-se meias vitórias porque o poder tzarista não foi derrubado. A insurreição de dezembro terminou com uma derrota e a autocracia tzarista começou a retirar uma após a outra as conquistas da classe operária à medida que enfraquecia a luta de massas. Em 1906 as greves operárias e as agitações dos camponeses e dos soldados foram muito mais fracas que em 1905, mas, no entanto, foram ainda muito fortes. O tzar (1*) dissolveu a primeira Duma, durante a qual a luta do povo começou de novo a desenvolver-se, mas não ousou modificar imediatamente a lei eleitoral. Em 1907 a luta dos operários enfraqueceu ainda mais, e o tzar, dissolvendo a segunda Duma, realizou um golpe de Estado (3 de Junho de 1907); ele violou todas as suas promessas soleníssimas de não promulgar leis sem o acordo da Duma e modificou a lei eleitoral de modo a que a maioria na Duma fosse sem falta alcançada pelos latifundiários e capitalistas, pelo partido das centúrias negras e seus serventuários.

Tanto as vitórias como as derrotas da revolução deram grandes lições históricas ao povo russo. Ao celebrar o quinto aniversário de 1905, procuraremos esclarecer o conteúdo principal dessas lições.

A primeira e fundamental lição é que só a luta revolucionária das massas é capaz de obter melhorias minimamente sérias na vida dos operários e na direção do Estado. Nenhuma "simpatia" dos homens instruídos para com os operários, nenhuma luta heroica de terroristas isolados, podiam minar a autocracia tzarista e a omnipotência dos capitalistas. Só a luta dos próprios operários, só a luta conjunta de milhões podia fazê-lo, e quando essa luta enfraqueceu, imediatamente se começou a retirar aquilo que os operários haviam conquistado. A revolução russa confirmou aquilo que se canta na canção internacional dos operários: 

"Ninguém nos trará a salvação nem deus, nem rei, nem herói; conquistemos nós a libertação com as nossas próprias mãos." (2*)

A segunda lição é a de que não basta minar, limitar o poder tzarista. É preciso suprimi-lo. Enquanto o poder tzarista não for suprimido, as concessões do tzar serão sempre precárias. O tzar fazia concessões quando a pressão da revolução se intensificava e retirava todas as concessões quando a pressão enfraquecia. Só a conquista da república democrática, o derrube do poder tzarista, a passagem do poder para as mãos do povo, pode libertar a Rússia da violência e da arbitrariedade dos funcionários, da Duma das centúrias negras e dos outubristas, da omnipotência dos latifundiários e dos seus servidores no campo. Se as infelicidades que sofrem os camponeses e os operários se tornaram hoje, depois da revolução, ainda mais pesadas do que antes, isso foi o preço a pagar pelo fato de a revolução ter sido fraca, de o poder tzarista não ter sido derrubado. O ano de 1905, e depois as duas primeiras Dumas e a sua dissolução ensinaram muito ao povo, ensinaram-lhe antes de mais a luta comum por reivindicações políticas. O povo, ao despertar para a vida política, exigiu inicialmente concessões à autocracia: que o tzar convocasse a Duma, que o tzar substituísse os antigos ministros por outros, que o tzar "desse" o sufrágio universal. Mas a autocracia não fez nem podia fazer tais concessões. Aos pedidos de concessões a autocracia respondeu com as baionetas. E então o povo começou a tomar consciência da necessidade de lutar contra o poder autocrático. Agora Stolípine e a Duma negra dos senhores tentam ainda com mais força meter, pode dizer-se, essa ideia na cabeça dos camponeses. Tentam metê-la e acabarão por metê-la.

A autocracia tzarista também extraiu uma lição da revolução. Ela compreendeu que não era possível fiar-se na fé dos camponeses no tzar. Ela reforça agora o seu poder através de uma aliança com os latifundiários das centúrias negras e os industriais outubristas. Para derrubar a autocracia tzarista é agora necessária uma arremetida muito mais forte da luta revolucionária de massas do que em 1905.

Será possível essa arremetida muito mais forte? A resposta a essa pergunta conduz-nos à terceira e mais importante lição da revolução. Esta lição consiste em que nós vimos como atuam as diferentes classes do povo russo. Antes de 1905 muitos pensavam que todo o povo aspirava de igual modo à liberdade e queria uma liberdade igual; pelo menos a imensa maioria não tinha qualquer ideia clara do fato de que as diferentes classes do povo russo encaram de maneira diferente a luta pela liberdade e pretendem uma liberdade que não é igual. A revolução dissipou o nevoeiro. Em fins de 1905, e depois também durante a primeira e a segunda Dumas, todas as classes da sociedade russa se atuaram abertamente. Elas mostraram-se na prática, revelaram quais eram as suas verdadeiras aspirações, por que podiam lutar e com que força, tenacidade e energia eram capazes de lutar.

Os operários das fábricas, o proletariado industrial, travou a luta mais resoluta e mais tenaz contra a autocracia. O proletariado iniciou a revolução pelo 9 de Janeiro (1) e pelas greves de massas. O proletariado levou a luta até ao fim, erguendo-se para a insurreição armada em dezembro de 1905 em defesa dos camponeses que eram fuzilados, agredidos, torturados. O número de operários grevistas em 1905 foi de cerca de três milhões (e com os ferroviários, os funcionários dos correios, etc., atingiram certamente os quatro milhões), em 1906, um milhão e em 1907: 3/4 de milhão. O mundo nunca vira um movimento grevista tão forte. O proletariado russo mostrou as enormes forças contidas nas massas operárias quando amadurece uma crise verdadeiramente revolucionária. A onda de greves de 1905, a maior do mundo, estava ainda longe de ter esgotado todas as forças de combate do proletariado. Por exemplo, na região industrial de Moscou havia 567 000 operários fabris e 540 000 grevistas e na de Petersburgo 300 000 operários fabris e um milhão de grevistas. Isto significa que os operários da região de Moscou estão ainda longe de haver desenvolvido uma tenacidade tão grande na luta como os de Petersburgo. E na gubérnia da Liflândia (3*) (cidade de Riga), para 50 000 operários houve 250 000 grevistas, isto é, cada operário fez greve, em média, mais de cinco vezes em 1905. Presentemente, em toda a Rússia existem pelo menos três milhões de operários industriais, mineiros e ferroviários, e este número aumenta todos os anos; com um movimento tão forte como o de Riga em 1905, eles poderiam apresentar um exército de 15 milhões de grevistas.

Nenhum poder tzarista resistiria perante uma tal arremetida. Mas toda a gente compreende que semelhante arremetida não pode ser suscitada artificialmente, segundo a vontade dos socialistas ou dos operários de vanguarda. Tal arremetida só será possível quanto todo o país for dominado pela crise, pela indignação, pela revolução. Para preparar essa arremetida é preciso atrair para a luta as camadas mais atrasadas dos operários, é preciso realizar durante anos e anos um trabalho persistente, amplo, constante de propaganda, agitação e organização, criando e fortalecendo todos os tipos de associações e organizações do proletariado.

Pela força da sua luta, a classe operária da Rússia esteve à frente de todas as outras classes do povo russo. As próprias condições de vida dos operários tornam-nos capazes de lutar e impelem-nos para a luta. O capital reúne os operários em grandes massas nas grandes cidades, une-os, ensina-lhes as ações comuns. A cada passo os operários chocam com o seu principal inimigo - a classe dos capitalistas. Lutando contra esse inimigo, o operário torna-se socialista, chega à consciência da necessidade da completa reorganização da sociedade, da completa supressão de toda a miséria e de toda a opressão. Ao tornarem-se socialistas, os operários lutam com uma coragem indefectível contra tudo aquilo que se lhes atravessa no caminho, e antes de mais contra o poder tzarista e contra os latifundiários feudais.

Os camponeses também se ergueram na revolução para lutar contra os latifundiários e contra o governo, mas a sua luta era muito mais fraca. Calculou-se que a maioria dos operários fabris (até 3/5) participou na luta revolucionária, nas greves, enquanto entre os camponeses sem dúvida apenas uma minoria participou: de certeza não mais de um quinto ou de um quarto. Os camponeses lutaram menos tenazmente, mais dispersos, menos conscientemente, muitas vezes confiando ainda na bondade do paizinho tzar. Em 1905 e 1906 os camponeses a bem dizer apenas assustaram o tzar e os latifundiários. Mas o que é preciso não é assustá-los, o que é preciso é suprimi-los, o que é preciso é varrer da face da terra o seu governo - o governo tzarista. Presentemente Stolípine e a Duma negra dos latifundiários procuram fazer dos camponeses ricos novos agricultores latifundiários aliados do tzar e das centúrias negras. Mas quanto mais o tzar e a Duma ajudam os camponeses ricos a arruinar a massa dos camponeses, mais consciente se torna essa massa, menos ela conservará a fé no tzar, uma fé de escravos, uma fé de homens oprimidos e ignorantes. De ano para ano aumenta no campo o número de operários rurais - eles não têm onde procurar salvação, a não ser numa aliança com os operários das cidades para a luta comum. De ano para ano aumenta no campo o número de camponeses arruinados, depauperados até ao fim, esfomeados - milhões e milhões deles, quando o proletariado urbano se erguer, iniciarão uma luta mais decidida, mais coesa contra o tzar e os latifundiários.

Na revolução participou também a burguesia liberal, isto é, os latifundiários, industriais, advogados e professores liberais, etc. Eles constituem o partido da "liberdade do povo" (democratas-constitucionalistas). Prometeram muito ao povo e falaram muito de liberdade nos seus jornais. Tiveram a maioria dos deputados na primeira e na segunda Dumas. Prometeram alcançar a liberdade "por via pacífica", condenavam a luta revolucionária dos operários e camponeses. Os camponeses e muito dos deputados camponeses ("trudoviques" (2)) acreditaram nessas promessas e humildes e seguiram dócil e submissamente os liberais, mantendo-se afastados da luta revolucionária do proletariado. Nisso consistiu o maior erro dos camponeses (e de muitos citadinos) durante a revolução. Os liberais, com uma das mãos, e mesmo assim muito, muito raramente, ajudavam a luta pela liberdade, mas a outra mão estendiam-na sempre ao tzar, prometendo-lhe manter e reforçar o seu poder, reconciliar os camponeses com os latifundiários, "pacificar" os operários "arrebatados".

Quando a revolução chegou à luta decisiva contra o tzar, à insurreição de Dezembro de 1905, todos os liberais traíram infamemente a liberdade do povo, abandonaram-se a luta. A autocracia tzarista aproveitou essa traição dos liberais à liberdade do povo, aproveitou a ignorância dos camponeses, que em muitos aspectos acreditavam nos liberais, e derrotou os operários insurretos. E uma vez derrotado o proletariado, nenhuma Duma, nenhuns discursos açucarados dos democratas-constitucionalistas, nenhumas promessas suas, impediram o tsar de suprimir todos os restos de liberdade, de restabelecer a autocracia e o poder absoluto dos latifundiários feudais.

Os liberais foram enganados. Os camponeses receberam uma lição dura mas útil. Não haverá liberdade na Rússia enquanto as amplas massas do povo acreditarem nos liberais, acreditarem na possibilidade de "paz" com o poder tzarista e se mantiverem afastadas da luta revolucionária dos operários. Nenhuma força no mundo impedirá o advento da liberdade na Rússia quando a massa do proletariado das cidades se erguer para a luta, afastar os liberais vacilantes e traidores, conduzir atrás de si os operários rurais e o campesinato arruinado.

E que o proletariado da Rússia se erguerá para essa luta e de novo encabeçará a revolução - garante-o toda a situação econômica da Rússia, toda a experiência dos anos da revolução.

Há cinco anos, o proletariado desferiu o primeiro golpe na autocracia tzarista. Para o povo russo brilharam os primeiros raios da liberdade. Agora foi de novo restabelecida a autocracia tzarista, de novos reinam e governam os feudais, de novo por toda a parte violência contra os operários e os camponeses, por toda a parte o despotismo asiático das autoridades, o infame ultraje do povo. Mas as pesadas lições não terão sido em vão. O povo russo já não é o que era em 1905. O proletariado ensinou-o a lutar. O proletariado conduzi-lo-á à vitória.

Notas: 

(1*) Nicolau II. (N. Ed.) 

(2*) Tradução da letra de A Internacional em russo. (N. Ed.) 

(3*) Designação oficial de um território que abrangia a Letónia setentrional e a Estónia meridional do século XVII até começos do século XX. (N. Ed.) 

(1) 9 de Janeiro de 1905 ("Domingo Sangrento"): dia em que as tropas tsaristas dispararam sobre um desfile pacífico dos operários de Petersburgo que levavam uma petição ao tsar. Mais de mil pessoas foram mortas e duas mil feridas. O "Domingo Sangrento" foi o início da primeira revolução russa (1905-1907). 

(2) Trudoviques (grupo de trabalho): grupo de democratas pequeno-burgueses nas Dumas de Estado. A fracção dos trudoviques constituiu-se em Abril de 1906 com deputados camponeses à I Duma de Estado. Os trudoviques oscilavam entre os democratas-constitucionalistas e os sociais-democratas revolucionários.

Fonte: Obras Escolhidas de V. I. Lenine, em seis tomos, edições "Avante!", pp. 28-33.

Edição: Que Fazer


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