10.10.21

Páginas do Diário*

 V. I. Lenin (02/01/1923)



 

O trabalho publicado há dias sobre o grau de alfabetização da população da Rússia, segundo os dados do censo de 1920 (O Grau de Alfabetização na Rússia, Moscou, 1922, Direção Central de Estatística, Seção de Estatística da Instrução Pública), constitui um fenômeno muito importante.

Cito a seguir um quadro sobre o grau de alfabetização da população da Rússia nos anos 1897 e 1920, retirado desse trabalho:

 

Homens alfabetizados
por 1000

Mulheres alfabetizadas
por 1000

Total de habitantes
alfabetizados
por 1000

 

1897

1920

1897

1920

1897

1920

Rússia Europeia

326

422

136

255

229

330

Cáucaso Setentrional

241

357

56

215

150

281

Sibéria (Ocidental)

170

307

46

134

108

218

Total

318

409

131

244

223

319

Enquanto nós tagarelávamos sobre a cultura proletária e sobre a sua relação com a cultura burguesa, os fatos oferecem-nos números que mostram que mesmo em relação à cultura burguesa a nossa situação é muito fraca. Verifica-se, como era de esperar, que estamos muito atrasados no campo da alfabetização geral, e que mesmo o nosso progresso em relação à época tzarista (1897) é demasiado lento. Isto representa uma terrível advertência e uma censura dirigidas àqueles que pairavam e pairam nos céus da “cultura proletária”. Isto mostra quanto trabalho duro e persistente precisamos ainda de realizar para alcançar o nível de um Estado civilizado comum da Europa Ocidental. Mostra, além disso, que enorme trabalho temos de realizar para conseguir, com base nas nossas conquistas proletárias, alcançar um nível cultural minimamente elevado.

É necessário que não nos limitemos a esta tese indiscutível, mas demasiado teórica. É necessário que durante a próxima revisão do nosso orçamento trimestral nos entreguemos e de maneira prática à tarefa. Naturalmente que, em primeiro lugar, devem ser reduzidas não as despesas do Comissariado do Povo da Instrução Pública, mas as despesas dos outros departamentos, a fim de que as somas libertas possam ser destinadas às necessidades do Comissariado do Povo da Instrução Pública. Não se deve ser mesquinho com o aumento da ração de pão dos professores num ano como o atual, em que estamos relativamente bem abastecidos.

De modo geral, o trabalho que atualmente se realiza no domínio da instrução pública não pode qualificar-se de demasiado estreito. Faz-se muito para estimular o velho professorado, para atraí-lo para novas tarefas, para interessá-lo na nova maneira de colocar as questões pedagógicas, para os interessar por questões como a questão da religião.

Mas não fazemos o principal. Não nos preocupamos, ou não nos preocupamos de modo suficiente, em elevar o professor primário a um nível sem o qual está fora de questão qualquer cultura: nem proletária, nem sequer burguesa. O que está em questão é a incultura semiasiática, da qual não conseguimos sair até agora e da qual não conseguiremos sair sem sérios esforços, apesar de termos todas as possibilidades de sair, pois em parte nenhuma as massas populares estão tão interessadas pela verdadeira cultura como entre nós; em parte nenhuma as questões desta cultura se colocam dum modo tão profundo e consequente como entre nós; em parte nenhuma, em nenhum país, o poder de Estado se encontra nas mãos da classe operária, que na sua massa compreende perfeitamente as deficiências, não direi da sua cultura, mas do seu grau de alfabetização; em parte nenhuma como entre nós ela está tão pronta a fazer tantos sacrifícios e os faz para melhorar a sua situação neste aspecto.

Fazemos ainda muito pouco, pouquíssimo, para deslocar todo o nosso orçamento de Estado para a satisfação, em primeiro lugar, das necessidades da instrução pública elementar. Mesmo no Comissariado do Povo da Instrução Pública podemos encontrar frequentemente um monstruoso excesso de pessoal numa qualquer editora do Estado, fora de quaisquer preocupações de que a atenção principal do Estado deve ser não pelas editoras, mas para que haja leitores, para que haja um maior número de pessoas que saibam ler, para que na futura Rússia as edições tenham uma maior amplitude política. Por um antigo (e mau) costume, ainda dedicamos muito mais tempo e energias às questões técnicas, por exemplo, à questão das editoras, do que à questão política geral do grau de alfabetização do povo.

Se tomarmos a Glavprofobr(01), estamos certos de que também aqui poderíamos encontrar nela muito e muito de supérfluo, de exagerado pelos interesses departamentais, inadequados às necessidades duma ampla instrução pública. Na Glavprofobr nem tudo se justifica, longe disso, pelo legítimo desejo de elevar primeiro e dar uma orientação prática à instrução da nossa juventude das fábricas. Se examinarmos atentamente o quadro de pessoal da Glavprofobr, encontraremos muito, muitíssimo de excessivo e de fictício deste ponto de vista e que deve ser encerrado. Num Estado proletário e camponês pode-se economizar e deve-se economizar muito e muito para desenvolver a alfabetização do povo, à custa do encerramento de toda a espécie de jogos de tipo semi-senhorial, ou das instituições sem as quais podemos, poderemos e deveremos passar ainda muito tempo, tendo em conta o estado de alfabetização do povo de que fala a estatística.

O professor primário deve ser elevado no nosso país a um nível que nunca teve, não tem nem pode ter na sociedade burguesa. Isto é uma verdade que não precisa de demonstração. Devemos caminhar para esse estado de coisas com um trabalho sistemático, infatigável e perseverante na sua elevação espiritual e na sua preparação multilateral com vista ao seu título efetivamente elevado e, o que é principal, principal e principal, na elevação da sua situação material.

É preciso reforçar sistematicamente o trabalho de organização dos professores primários para os transformar de apoio do regime burguês, como o são até agora em todos os países capitalistas sem exceção, num apoio do regime soviético, para através deles desviar o campesinato da aliança com a burguesia e atraí-lo para a aliança com o proletariado.

Assinalarei brevemente o papel especial que devem desempenhar para isto as viagens sistemáticas ao campo, que de resto já se praticam entre nós e que devem ser desenvolvidas planificadamente. Em medidas como estas viagens não é de lamentar gastar o dinheiro que frequentemente se esbanja num aparelho estatal que pertence quase por completo a uma velha época histórica.

Reuni materiais para o meu discurso no congresso dos Sovietes, em Dezembro de 1922 - discurso que não cheguei a pronunciar -, sobre o patrocínio da população dos campos pelos operários urbanos. Alguns materiais sobre isto foram-me proporcionados pelo camarada Khodoróvski. E hoje coloco este tema perante os camaradas para que o estudem, pois eu próprio não pude estudá-lo e torná-lo público através do congresso dos Sovietes.

Aqui a questão política fundamental consiste na atitude da cidade em relação ao campo, que tem uma importância decisiva para toda a nossa revolução. Ao mesmo tempo que o Estado burguês orienta sistematicamente todos os seus esforços no sentido de embrutecer os operários da cidade, adaptando a esse fim toda a literatura que se edita por conta do Estado, por conta dos partidos tzaristas e burgueses, nós podemos e devemos empregar o nosso poder no sentido de transformar realmente o operário da cidade em portador das ideias comunistas para o seio do proletariado agrícola.

Disse “comunistas”, mas apresso-me a expor algumas reservas, receando que isto suscite confusão ou seja entendido demasiado à letra. Isto de modo nenhum deve ser entendido como se devêssemos levar imediatamente ao campo as ideias pura e exclusivamente comunistas. Enquanto não tivermos no campo uma base material para o comunismo, isso seria, podemos afirmá-lo, prejudicial, isso seria, podemos afirmá-lo, funesto para o comunismo.

Não. É preciso começar por estabelecer relações entre a cidade e o campo, sem se propor desde logo como objetivo premeditado introduzir o comunismo no campo. Este objetivo não pode ser alcançado agora. Este objetivo é inoportuno. Propor-se tal objetivo não seria útil, mas prejudicial, à causa.

A nossa obrigação e uma das tarefas fundamentais da classe operária, que se encontra no poder, é estabelecer relações entre os operários da cidade e os trabalhadores do campo, estabelecer entre eles uma forma de camaradagem que possa ser facilmente criada entre eles. Para isso é preciso fundar uma série de associações (do partido, sindicais, privadas) de operários fabris, que estabeleçam a si próprias como objetivo sistemático ajudar o campo no seu desenvolvimento cultural.

Conseguiremos nós “repartir” todas as células urbanas por todas as do campo, de modo a que cada célula operária “repartida” a uma célula correspondente do campo se preocupe sistematicamente, em cada momento e em cada caso, em satisfazer tal ou tal necessidade cultural da sua cocélula? Ou conseguiremos encontrar outras formas de ligação? Aqui limito-me a colocar a questão para chamar para ela a atenção dos camaradas, para lhes indicar a experiência da Sibéria Ocidental (foi o camarada Khodoróvski que me contou esta experiência) e para expor em toda a sua dimensão esta gigantesca tarefa cultural de importância histórica mundial.

Não fazemos quase nada para o campo fora do nosso orçamento oficial ou fora das nossas relações oficiais. É verdade que as relações culturais entre a cidade e o campo adquirem por si mesmas entre nós, e adquirem inevitavelmente, outro caráter.

Sob o capitalismo a cidade dava ao campo aquilo que o degradava política, econômica, moral e fisicamente, etc. Entre nós a cidade começa a dar ao campo exatamente o contrário. Mas tudo isto se faz precisamente por si só, espontaneamente, e tudo isto pode ser reforçado (e depois também multiplicado cem vezes), tornando esse trabalho consciente, regular e sistemático.

Só começaremos a avançar (mas então avançaremos sem qualquer dúvida cem vezes mais rapidamente) quando submetermos esta questão a estudo e fundarmos toda a espécie de associações operárias - evitando por todos os meios a sua burocratização - com o fim de colocar, discutir e levar à prática esta questão.

Notas:

* No texto datilográfico, o título do artigo não aparece. No Pravda, o artigo foi publicado sob o título Páginas do Diário. O artigo de Lenin exerceu uma influência sobre as tarefas da instrução pública no país. Em 10 de Janeiro de 1923, o Comissariado do Povo da Educação, num radiograma aos departamentos da instrução pública, propôs que se divulgasse amplamente o artigo «Páginas do Diário» e se elaborassem medidas concretas para o cumprimento das indicações de Lenin contidas nesse artigo.

(01) Glavprofobr: Direcção Principal das Escolas Politécnicas Profissionais e dos Estabelecimentos de Ensino Superior do Comissariado do Povo da Educação.

Edição: Que Fazer

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1923/01/02.htm 

 

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