24.10.21

As Lições da Revolução

Lenin

12 de novembro de 1910

"Ninguém nos trará a salvação nem deus, nem rei, nem herói; conquistemos nós a libertação com as nossas próprias mãos." 

Decorreram cinco anos desde que, em outubro de 1905, a classe operária da Rússia desferiu o primeiro golpe poderoso na autocracia tzarista. Nessas grandes jornadas, o proletariado ergueu milhões de trabalhadores para a luta contra os seus opressores. Conquistou para si, em alguns meses de 1905, melhorias que os operários haviam esperado em vão das "autoridades" durante dezenas de anos. O proletariado conquistou para todo o povo russo, embora por um breve período, a liberdade de imprensa, de reunião e de associação, nunca vista na Rússia. Varreu do seu caminho a falsificada Duma de Bulíguine, arrancou ao tzar o manifesto sobre a constituição e tornou impossível de uma vez para sempre governar a Rússia sem instituições representativas.



As grandes vitórias do proletariado revelaram-se meias vitórias porque o poder tzarista não foi derrubado. A insurreição de dezembro terminou com uma derrota e a autocracia tzarista começou a retirar uma após a outra as conquistas da classe operária à medida que enfraquecia a luta de massas. Em 1906 as greves operárias e as agitações dos camponeses e dos soldados foram muito mais fracas que em 1905, mas, no entanto, foram ainda muito fortes. O tzar (1*) dissolveu a primeira Duma, durante a qual a luta do povo começou de novo a desenvolver-se, mas não ousou modificar imediatamente a lei eleitoral. Em 1907 a luta dos operários enfraqueceu ainda mais, e o tzar, dissolvendo a segunda Duma, realizou um golpe de Estado (3 de Junho de 1907); ele violou todas as suas promessas soleníssimas de não promulgar leis sem o acordo da Duma e modificou a lei eleitoral de modo a que a maioria na Duma fosse sem falta alcançada pelos latifundiários e capitalistas, pelo partido das centúrias negras e seus serventuários.

Tanto as vitórias como as derrotas da revolução deram grandes lições históricas ao povo russo. Ao celebrar o quinto aniversário de 1905, procuraremos esclarecer o conteúdo principal dessas lições.

A primeira e fundamental lição é que só a luta revolucionária das massas é capaz de obter melhorias minimamente sérias na vida dos operários e na direção do Estado. Nenhuma "simpatia" dos homens instruídos para com os operários, nenhuma luta heroica de terroristas isolados, podiam minar a autocracia tzarista e a omnipotência dos capitalistas. Só a luta dos próprios operários, só a luta conjunta de milhões podia fazê-lo, e quando essa luta enfraqueceu, imediatamente se começou a retirar aquilo que os operários haviam conquistado. A revolução russa confirmou aquilo que se canta na canção internacional dos operários: 

"Ninguém nos trará a salvação nem deus, nem rei, nem herói; conquistemos nós a libertação com as nossas próprias mãos." (2*)

A segunda lição é a de que não basta minar, limitar o poder tzarista. É preciso suprimi-lo. Enquanto o poder tzarista não for suprimido, as concessões do tzar serão sempre precárias. O tzar fazia concessões quando a pressão da revolução se intensificava e retirava todas as concessões quando a pressão enfraquecia. Só a conquista da república democrática, o derrube do poder tzarista, a passagem do poder para as mãos do povo, pode libertar a Rússia da violência e da arbitrariedade dos funcionários, da Duma das centúrias negras e dos outubristas, da omnipotência dos latifundiários e dos seus servidores no campo. Se as infelicidades que sofrem os camponeses e os operários se tornaram hoje, depois da revolução, ainda mais pesadas do que antes, isso foi o preço a pagar pelo fato de a revolução ter sido fraca, de o poder tzarista não ter sido derrubado. O ano de 1905, e depois as duas primeiras Dumas e a sua dissolução ensinaram muito ao povo, ensinaram-lhe antes de mais a luta comum por reivindicações políticas. O povo, ao despertar para a vida política, exigiu inicialmente concessões à autocracia: que o tzar convocasse a Duma, que o tzar substituísse os antigos ministros por outros, que o tzar "desse" o sufrágio universal. Mas a autocracia não fez nem podia fazer tais concessões. Aos pedidos de concessões a autocracia respondeu com as baionetas. E então o povo começou a tomar consciência da necessidade de lutar contra o poder autocrático. Agora Stolípine e a Duma negra dos senhores tentam ainda com mais força meter, pode dizer-se, essa ideia na cabeça dos camponeses. Tentam metê-la e acabarão por metê-la.

A autocracia tzarista também extraiu uma lição da revolução. Ela compreendeu que não era possível fiar-se na fé dos camponeses no tzar. Ela reforça agora o seu poder através de uma aliança com os latifundiários das centúrias negras e os industriais outubristas. Para derrubar a autocracia tzarista é agora necessária uma arremetida muito mais forte da luta revolucionária de massas do que em 1905.

Será possível essa arremetida muito mais forte? A resposta a essa pergunta conduz-nos à terceira e mais importante lição da revolução. Esta lição consiste em que nós vimos como atuam as diferentes classes do povo russo. Antes de 1905 muitos pensavam que todo o povo aspirava de igual modo à liberdade e queria uma liberdade igual; pelo menos a imensa maioria não tinha qualquer ideia clara do fato de que as diferentes classes do povo russo encaram de maneira diferente a luta pela liberdade e pretendem uma liberdade que não é igual. A revolução dissipou o nevoeiro. Em fins de 1905, e depois também durante a primeira e a segunda Dumas, todas as classes da sociedade russa se atuaram abertamente. Elas mostraram-se na prática, revelaram quais eram as suas verdadeiras aspirações, por que podiam lutar e com que força, tenacidade e energia eram capazes de lutar.

Os operários das fábricas, o proletariado industrial, travou a luta mais resoluta e mais tenaz contra a autocracia. O proletariado iniciou a revolução pelo 9 de Janeiro (1) e pelas greves de massas. O proletariado levou a luta até ao fim, erguendo-se para a insurreição armada em dezembro de 1905 em defesa dos camponeses que eram fuzilados, agredidos, torturados. O número de operários grevistas em 1905 foi de cerca de três milhões (e com os ferroviários, os funcionários dos correios, etc., atingiram certamente os quatro milhões), em 1906, um milhão e em 1907: 3/4 de milhão. O mundo nunca vira um movimento grevista tão forte. O proletariado russo mostrou as enormes forças contidas nas massas operárias quando amadurece uma crise verdadeiramente revolucionária. A onda de greves de 1905, a maior do mundo, estava ainda longe de ter esgotado todas as forças de combate do proletariado. Por exemplo, na região industrial de Moscou havia 567 000 operários fabris e 540 000 grevistas e na de Petersburgo 300 000 operários fabris e um milhão de grevistas. Isto significa que os operários da região de Moscou estão ainda longe de haver desenvolvido uma tenacidade tão grande na luta como os de Petersburgo. E na gubérnia da Liflândia (3*) (cidade de Riga), para 50 000 operários houve 250 000 grevistas, isto é, cada operário fez greve, em média, mais de cinco vezes em 1905. Presentemente, em toda a Rússia existem pelo menos três milhões de operários industriais, mineiros e ferroviários, e este número aumenta todos os anos; com um movimento tão forte como o de Riga em 1905, eles poderiam apresentar um exército de 15 milhões de grevistas.

Nenhum poder tzarista resistiria perante uma tal arremetida. Mas toda a gente compreende que semelhante arremetida não pode ser suscitada artificialmente, segundo a vontade dos socialistas ou dos operários de vanguarda. Tal arremetida só será possível quanto todo o país for dominado pela crise, pela indignação, pela revolução. Para preparar essa arremetida é preciso atrair para a luta as camadas mais atrasadas dos operários, é preciso realizar durante anos e anos um trabalho persistente, amplo, constante de propaganda, agitação e organização, criando e fortalecendo todos os tipos de associações e organizações do proletariado.

Pela força da sua luta, a classe operária da Rússia esteve à frente de todas as outras classes do povo russo. As próprias condições de vida dos operários tornam-nos capazes de lutar e impelem-nos para a luta. O capital reúne os operários em grandes massas nas grandes cidades, une-os, ensina-lhes as ações comuns. A cada passo os operários chocam com o seu principal inimigo - a classe dos capitalistas. Lutando contra esse inimigo, o operário torna-se socialista, chega à consciência da necessidade da completa reorganização da sociedade, da completa supressão de toda a miséria e de toda a opressão. Ao tornarem-se socialistas, os operários lutam com uma coragem indefectível contra tudo aquilo que se lhes atravessa no caminho, e antes de mais contra o poder tzarista e contra os latifundiários feudais.

Os camponeses também se ergueram na revolução para lutar contra os latifundiários e contra o governo, mas a sua luta era muito mais fraca. Calculou-se que a maioria dos operários fabris (até 3/5) participou na luta revolucionária, nas greves, enquanto entre os camponeses sem dúvida apenas uma minoria participou: de certeza não mais de um quinto ou de um quarto. Os camponeses lutaram menos tenazmente, mais dispersos, menos conscientemente, muitas vezes confiando ainda na bondade do paizinho tzar. Em 1905 e 1906 os camponeses a bem dizer apenas assustaram o tzar e os latifundiários. Mas o que é preciso não é assustá-los, o que é preciso é suprimi-los, o que é preciso é varrer da face da terra o seu governo - o governo tzarista. Presentemente Stolípine e a Duma negra dos latifundiários procuram fazer dos camponeses ricos novos agricultores latifundiários aliados do tzar e das centúrias negras. Mas quanto mais o tzar e a Duma ajudam os camponeses ricos a arruinar a massa dos camponeses, mais consciente se torna essa massa, menos ela conservará a fé no tzar, uma fé de escravos, uma fé de homens oprimidos e ignorantes. De ano para ano aumenta no campo o número de operários rurais - eles não têm onde procurar salvação, a não ser numa aliança com os operários das cidades para a luta comum. De ano para ano aumenta no campo o número de camponeses arruinados, depauperados até ao fim, esfomeados - milhões e milhões deles, quando o proletariado urbano se erguer, iniciarão uma luta mais decidida, mais coesa contra o tzar e os latifundiários.

Na revolução participou também a burguesia liberal, isto é, os latifundiários, industriais, advogados e professores liberais, etc. Eles constituem o partido da "liberdade do povo" (democratas-constitucionalistas). Prometeram muito ao povo e falaram muito de liberdade nos seus jornais. Tiveram a maioria dos deputados na primeira e na segunda Dumas. Prometeram alcançar a liberdade "por via pacífica", condenavam a luta revolucionária dos operários e camponeses. Os camponeses e muito dos deputados camponeses ("trudoviques" (2)) acreditaram nessas promessas e humildes e seguiram dócil e submissamente os liberais, mantendo-se afastados da luta revolucionária do proletariado. Nisso consistiu o maior erro dos camponeses (e de muitos citadinos) durante a revolução. Os liberais, com uma das mãos, e mesmo assim muito, muito raramente, ajudavam a luta pela liberdade, mas a outra mão estendiam-na sempre ao tzar, prometendo-lhe manter e reforçar o seu poder, reconciliar os camponeses com os latifundiários, "pacificar" os operários "arrebatados".

Quando a revolução chegou à luta decisiva contra o tzar, à insurreição de Dezembro de 1905, todos os liberais traíram infamemente a liberdade do povo, abandonaram-se a luta. A autocracia tzarista aproveitou essa traição dos liberais à liberdade do povo, aproveitou a ignorância dos camponeses, que em muitos aspectos acreditavam nos liberais, e derrotou os operários insurretos. E uma vez derrotado o proletariado, nenhuma Duma, nenhuns discursos açucarados dos democratas-constitucionalistas, nenhumas promessas suas, impediram o tsar de suprimir todos os restos de liberdade, de restabelecer a autocracia e o poder absoluto dos latifundiários feudais.

Os liberais foram enganados. Os camponeses receberam uma lição dura mas útil. Não haverá liberdade na Rússia enquanto as amplas massas do povo acreditarem nos liberais, acreditarem na possibilidade de "paz" com o poder tzarista e se mantiverem afastadas da luta revolucionária dos operários. Nenhuma força no mundo impedirá o advento da liberdade na Rússia quando a massa do proletariado das cidades se erguer para a luta, afastar os liberais vacilantes e traidores, conduzir atrás de si os operários rurais e o campesinato arruinado.

E que o proletariado da Rússia se erguerá para essa luta e de novo encabeçará a revolução - garante-o toda a situação econômica da Rússia, toda a experiência dos anos da revolução.

Há cinco anos, o proletariado desferiu o primeiro golpe na autocracia tzarista. Para o povo russo brilharam os primeiros raios da liberdade. Agora foi de novo restabelecida a autocracia tzarista, de novos reinam e governam os feudais, de novo por toda a parte violência contra os operários e os camponeses, por toda a parte o despotismo asiático das autoridades, o infame ultraje do povo. Mas as pesadas lições não terão sido em vão. O povo russo já não é o que era em 1905. O proletariado ensinou-o a lutar. O proletariado conduzi-lo-á à vitória.

Notas: 

(1*) Nicolau II. (N. Ed.) 

(2*) Tradução da letra de A Internacional em russo. (N. Ed.) 

(3*) Designação oficial de um território que abrangia a Letónia setentrional e a Estónia meridional do século XVII até começos do século XX. (N. Ed.) 

(1) 9 de Janeiro de 1905 ("Domingo Sangrento"): dia em que as tropas tsaristas dispararam sobre um desfile pacífico dos operários de Petersburgo que levavam uma petição ao tsar. Mais de mil pessoas foram mortas e duas mil feridas. O "Domingo Sangrento" foi o início da primeira revolução russa (1905-1907). 

(2) Trudoviques (grupo de trabalho): grupo de democratas pequeno-burgueses nas Dumas de Estado. A fracção dos trudoviques constituiu-se em Abril de 1906 com deputados camponeses à I Duma de Estado. Os trudoviques oscilavam entre os democratas-constitucionalistas e os sociais-democratas revolucionários.

Fonte: Obras Escolhidas de V. I. Lenine, em seis tomos, edições "Avante!", pp. 28-33.

Edição: Que Fazer


18.10.21

Poder Proletário e Partido Dirigente*

Charles Bettelheim



 1. AS CARACTERÍSTICAS DE UM PODER PROLETÁRIO


Face às confusões que durante muito tempo existiram, e que ainda não desapareceram, é preciso lembrar que a ditadura do proletariado tem essencialmente como efeito permitir o estabelecimento de determinadas das condições políticas requeridas para que os produtores diretos possam dominar coletivamente, quer dizer, à escala social, os seus meios de produção e as suas condições de existência. É preciso lembrar também que este domínio não é de modo algum assegurado apenas pela estatização dos meios de produção e pela «planificação econômica». O que comanda este domínio, que só se adquire através de uma longa luta de classes, é antes de mais, mas não unicamente, a detenção do poder pelos produtores. Pode recordar-se aqui o que Lenine escrevia em 1917:

«A questão do poder é certamente a questão mais importante de qualquer revolução. Qual é a classe que detém o poder? Este é o fundo do problema... a questão do poder não pode ser iludida nem relegada para último plano... é a questão fundamental, aquela que determina todo o desenvolvimento da revolução, a sua política externa e interna.»(1)

O domínio dos trabalhadores sobre as suas condições de existência exige, antes de mais nada, que o antigo aparelho de Estado seja destruído e substituído por um aparelho radicalmente diferente. Se o novo aparelho de Estado é semelhante, no essencial, ao antigo, só poderá assegurar a reprodução das mesmas relações sociais.

O conteúdo fundamental da diferença entre um aparelho de Estado proletário e um aparelho de Estado burguês é a não-separação do aparelho de Estado proletário em relação às massas, a sua subordinação a estas, portanto, o desaparecimento daquilo a que Lenine chamava «um Estado no sentido próprio»(2) e a sua substituição pelo «proletariado organizado em classe dominante».(3)

Para que os produtores diretos possam dominar as suas condições de existência é necessário que tenha desaparecido o antigo tipo de aparelho de Estado, que concentra em si mesmo o essencial das decisões políticas e dos meios de execução e dispõe de forças repressivas autônomas que não hesita em utilizar contra as massas trabalhadoras.

Sem cair no formalismo dos «critérios abstratos» estabelecidos à margem de qualquer consideração de tempo e de espaço, pode dizer-se que um sinal extremamente importante do caráter não proletário do poder, ou de que o poder já perdeu largamente o seu caráter proletário, é a existência de um aparelho de Estado colocado acima das massas e que age de forma autoritária em relação a elas.

O caráter significativo deste índice da natureza não proletária do poder é ainda reforçado se as relações de subordinação das massas em relação ao aparelho de Estado são redobradas por relações análogas entre as massas e o partido dirigente (mais adiante volto a este ponto).

Quando o aparelho de Estado está separado das massas e colocado acima delas e o partido dirigente, em vez de lutar contra esta situação, contribui para a reforçar, estão reunidas as condições objetivas para que se reproduzam relações políticas de opressão, no interior das quais se podem também reproduzir relações de exploração. Quando um sobretrabalho é imposto aos produtores diretos pelos não-produtores e quando a utilização do produto desse sobretrabalho não é controlado pelos produtores, mas decidido à margem deles, mesmo que seja através de um «plano econômico», tais relações de exploração existem. Também é sabido que pode haver exploração mesmo que o produto do sobretrabalho não seja consumido individualmente pelos que controlam o seu emprego. Aliás, o aspecto principal da exploração capitalista é o de ser uma exploração efetuada com vista à acumulação e não ao consumo.

Em resumo, se é um aparelho de Estado separado das massas que detém os meios de produção (devido à estatização destes) e se, além disso, este aparelho não está submetido ao controlo dum partido ligado às massas e que ajude estas a lutar pelo controle do emprego dos meios de produção, estamos em presença de uma estrutura de relações que reproduz a separação dos produtores diretos dos seus meios de produção. Nestas condições, se a combinação das forças de trabalho e dos meios de produção se realiza através de uma relação salarial, isto significa que as relações de produção são relações capitalistas e que os que ocupam postos de direção no aparelho de Estado central e nos aparelhos a ele ligados constituem um capitalista coletivo, uma burguesia de Estado.

Como incidentalmente atrás observamos, seria dogmático e formalista tentar propor um critério abstrato e isolado do caráter proletário do Estado sem tomar em consideração as condições históricas concretas e, particularmente, a natureza das relações entre o Estado e o partido dirigente, as características deste partido e o sentido em que se dirige a sua ação. É por isso que não existe um «modelo único» da não-separação, quer dizer, da unidade entre o aparelho de Estado e as massas, mas apenas formas concretas correspondentes às condições históricas da luta de classes.

Os exemplos históricos de surgimento de tais formas de unidade são constituídos pela Comuna de Paris, pelos Sovietes de 1917 na Rússia e pelas diversas formas de poder popular na China (tanto as formas «civis» como as formas «militares»: o Exército Popular de Libertação é, sem dúvida, o primeiro exército não separado do povo, mas, pelo contrário, nele integrado e ao seu serviço).

A experiência histórica mostra que, devido às relações ideológicas dominantes, produto de séculos de opressão e de exploração e que se reproduzem com base numa divisão social do trabalho que não pode ser imediatamente revolucionarizada, as formas políticas que permitem aos produtores diretos organizarem-se eles próprios como classe dominante tendem espontaneamente, se não se travar uma luta sistemática contra essa tendência, a transformar-se no sentido de uma «autonomização» dos órgãos do poder, isto é, no sentido de uma nova separação entre as massas e o aparelho de Estado, e, portanto, da reconstituição de relações políticas de opressão e de relações econômicas de exploração. Por isso, durante todo o período de transição, há uma luta entre as duas vias: a via socialista e a via capitalista.

Dizer que uma formação social em transição segue a via socialista é dizer que ela está empenhada num processo de transformação revolucionária que permite às massas trabalhadoras dominarem cada vez mais as suas condições de existência, ou seja, libertarem-se cada vez mais. Dizer que determinada formação segue uma via capitalista é dizer que ela está empenhada num processo que submete cada vez mais as massas trabalhadoras às exigências de um processo de reprodução que elas não controlam e que, em última análise, só pode, portanto, servir os interesses de uma minoria, a minoria que utiliza o aparelho de Estado para estabelecer e consolidar as condições da sua própria dominação.

A via seguida por uma formação social é sempre um produto da luta de classes. Esta opõe os que lutam pelo triunfo da via socialista aos que lutam pelo triunfo da via capitalista. Os primeiros são constituídos pelo proletariado e pelo conjunto das classes populares a ele associadas; os segundos são constituídos pelo conjunto das forças sociais burguesas, tenham elas ou não pertencido à antiga burguesia ou estejam elas ou não «conscientes» do fato de que a linha política que defendem conduz à perda do poder pelo proletariado. Nas condições de estatização dos meios de produção, o local privilegiado de constituição ou de reconstituição das forças sociais burguesas é o próprio aparelho de Estado, as cúpulas do partido dirigente e as dos aparelhos ideológicos e econômicos. Para que o proletariado não deixe de ter o papel dirigente é necessário que, na prática, conserve sempre a iniciativa nas frentes ideológicas e políticas. Para isso, precisa de continuar unido e estreitamente associado ao conjunto das classes populares igualmente interessadas no socialismo. Estas condições só podem ser preenchidas se o proletariado dispuser de um aparelho ideológico e político próprio: um partido marxista-leninista. E aqui surge uma segunda categoria de problemas.

 

2. AS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO DIRIGENTE

O núcleo destes problemas é o seguinte: para ajudar o proletariado e as classes populares a ele associadas a avançarem na via socialista não basta que o partido marxista-leninista, que guiou o proletariado na conquista do poder, se conserve aparentemente «o mesmo»: é necessário que ele não mude realmente de caráter de classe», portanto, é necessário que continue a ser um partido proletário; com efeito, não pode existir ditadura do proletariado se o partido dirigente não é o da classe operária.

O caráter proletário do partido não se releva evidentemente da «auto-proclamação», da afirmação pelo próprio partido da sua vontade de «construir o socialismo» ou da sua «determinação de ser fiel ao marxismo-leninismo» ou a um «ideal revolucionário». Este caráter só pode ser determinado por uma análise concreta que revelará se as práticas políticas e ideológicas do partido dirigente são ou não práticas proletárias.

A experiência histórica permite, a partir de agora, caracterizar melhor a natureza de classe das práticas políticas e ideológicas que um partido dirigente desenvolve. Esta experiência, iluminada pela teoria marxista, leva-nos a concluir que o caráter de classe da prática ideológica e política de um partido se manifesta na forma das suas relações com as massas, nas relações internas do partido e nas relações deste com o aparelho de Estado.

Se as relações concretas entre o partido dirigente e as massas não são as que correspondem a uma prática proletária e se, no próprio partido, as relações autoritárias prevalecem sobre a discussão e a luta ideológica, é inevitável que as concepções teóricas efetivas do partido se afastem cada vez mais do conteúdo revolucionário do marxismo. Não pode haver concepções teóricas justas na ausência de uma prática política correta. Por conseguinte, para que os princípios marxistas-leninistas a que se refere um partido dirigente continuem vivos e não «funcionem» como um dogma morto, desligados da vida, é necessário que o partido e os seus membros não desenvolvam práticas autoritárias, que submetam à crítica os que se comprometem em tais práticas e que façam constantemente apelo à crítica das massas.

Em resumo, um partido dirigente só pode ser um partido proletário se não pretender comandar as massas e se, pelo contrário, for o instrumento das suas iniciativas. Isto só é possível se ele se submeter efetivamente à crítica das massas, se não pretender impor-lhes o que elas «devem» fazer, se partir daquilo que as massas estão aptas a realizar e que auxilia o desenvolvimento de relações socialistas. Para auxiliar este desenvolvimento, o partido deve saber reconhecer o que é que vai no sentido deste; é muito particularmente para isto que a teoria marxista-leninista deve servir.

O papel de um partido proletário, portanto, é ajudar as massas a realizarem elas próprias aquilo que é conforme aos seus interesses fundamentais. Em cada etapa de uma luta ininterrupta pela transformação das relações sociais, o partido deve guiar as massas a avançarem o mais longe possível na via das iniciativas que permitem consolidar e desenvolver relações sociais proletárias, tendo em conta os limites objetivos e subjetivos do momento e do lugar.

Um partido proletário não pode pretender «agir em vez» das massas. Estas, com efeito, devem transformar-se elas próprias ao mesmo tempo que transformam o mundo objetivo, e só podem transformar-se através da sua própria experiência, das vitórias e dos fracassos. Só assim podem as massas conquistar uma consciência, uma vontade, uma capacidade coletiva, ou seja, a sua liberdade de classe.

Portanto, uma política proletária — única garantia da conservação do poder pelo proletariado — deve assegurar que as massas realizem elas próprias aquilo que objetivamente é do seu interesse fazerem, isto na medida em que estejam subjetivamente prontas para o fazer. Toda a violação da consciência e da vontade própria das massas constitui um passo atrás. São passos atrás deste tipo que podem levar à perda do poder pelo proletariado.

Por conseguinte, o papel do partido consiste não só em definir objetivos justos, mas sem discernir o que é que as massas estão aptas a fazer e levá-las para a frente sem jamais recorrer à coerção mas lançando palavras de ordem e diretivas de que as massas possam apoderar-se, elaborando uma tática e uma estratégia adequadas e ajudando as massas a organizarem-se.

É em função da exigência de tais relações entre o partido e as massas, é em função de tais práticas que é essencial, como escreve Mao Tsé-tung, que «a ditadura não se exerça no seio do povo» e que as massas populares «gozem da liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de desfile, de manifestação, de crença religiosa e de outras liberdades».(4)

Dizer que a ditadura não se exerce no seio do povo é dizer também que ela não se exerce sobre a pequena burguesia e, particularmente, sobre as camadas menos ricas do campesinato médio. O proletariado e o seu partido devem conduzir a pequena burguesia para a via do socialismo, que é a própria via do seu interesse real, mas não devem exercer uma coerção sobre ela. Trata-se é de conduzir uma luta ideológica que permita, segundo uma outra fórmula de Mao Tsé-tung, «arrastar as ideias pequeno-burguesas na esteira das ideias proletárias».

Estas são algumas das características das práticas políticas e ideológicas que manifestam que um partido é, ao mesmo tempo, um partido dirigente e um partido proletário, quer dizer, um partido que dirige as massas, mas que não comanda, um partido que centraliza as iniciativas das massas para as ajudar a travar batalhas políticas, unificadas. Para o exercício da ditadura do proletariado é necessário um partido que proceda deste modo, pois é graças à sua ajuda que o proletariado e as classes populares podem tornar-se cada vez mais senhores das suas condições de existência, avançando no caminho da sua liberdade coletiva, o que só é possível na base da sua unidade, mas de uma unidade realmente querida e não imposta.

*Trecho do livro "Sociedades de transição: luta de classes e ideologia proletária".

Notas:

(1) Lenine, «Uma das questões fundamentais da Revolução», Oeuvres complètes, t. XXV, p. 398.

(2) Cf. as notas de Lenine sobre a Crítica do programa de Gotha, notas tomadas em Janeiro-Fevereiro de 1917.

(3) Cf. Lenine, «O Estado e a Revolução», Oeuvres complètes, t. XXV, op. cit., p. 467.

(4) «Da justa solução das contradições no seio do povo», citado de acordo com Quatre essais philosophiques, Pequim, 1966, p. 93.

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/bettelheim/index.htm

Edição: Que Fazer


10.10.21

Páginas do Diário*

 V. I. Lenin (02/01/1923)



 

O trabalho publicado há dias sobre o grau de alfabetização da população da Rússia, segundo os dados do censo de 1920 (O Grau de Alfabetização na Rússia, Moscou, 1922, Direção Central de Estatística, Seção de Estatística da Instrução Pública), constitui um fenômeno muito importante.

Cito a seguir um quadro sobre o grau de alfabetização da população da Rússia nos anos 1897 e 1920, retirado desse trabalho:

 

Homens alfabetizados
por 1000

Mulheres alfabetizadas
por 1000

Total de habitantes
alfabetizados
por 1000

 

1897

1920

1897

1920

1897

1920

Rússia Europeia

326

422

136

255

229

330

Cáucaso Setentrional

241

357

56

215

150

281

Sibéria (Ocidental)

170

307

46

134

108

218

Total

318

409

131

244

223

319

Enquanto nós tagarelávamos sobre a cultura proletária e sobre a sua relação com a cultura burguesa, os fatos oferecem-nos números que mostram que mesmo em relação à cultura burguesa a nossa situação é muito fraca. Verifica-se, como era de esperar, que estamos muito atrasados no campo da alfabetização geral, e que mesmo o nosso progresso em relação à época tzarista (1897) é demasiado lento. Isto representa uma terrível advertência e uma censura dirigidas àqueles que pairavam e pairam nos céus da “cultura proletária”. Isto mostra quanto trabalho duro e persistente precisamos ainda de realizar para alcançar o nível de um Estado civilizado comum da Europa Ocidental. Mostra, além disso, que enorme trabalho temos de realizar para conseguir, com base nas nossas conquistas proletárias, alcançar um nível cultural minimamente elevado.

É necessário que não nos limitemos a esta tese indiscutível, mas demasiado teórica. É necessário que durante a próxima revisão do nosso orçamento trimestral nos entreguemos e de maneira prática à tarefa. Naturalmente que, em primeiro lugar, devem ser reduzidas não as despesas do Comissariado do Povo da Instrução Pública, mas as despesas dos outros departamentos, a fim de que as somas libertas possam ser destinadas às necessidades do Comissariado do Povo da Instrução Pública. Não se deve ser mesquinho com o aumento da ração de pão dos professores num ano como o atual, em que estamos relativamente bem abastecidos.

De modo geral, o trabalho que atualmente se realiza no domínio da instrução pública não pode qualificar-se de demasiado estreito. Faz-se muito para estimular o velho professorado, para atraí-lo para novas tarefas, para interessá-lo na nova maneira de colocar as questões pedagógicas, para os interessar por questões como a questão da religião.

Mas não fazemos o principal. Não nos preocupamos, ou não nos preocupamos de modo suficiente, em elevar o professor primário a um nível sem o qual está fora de questão qualquer cultura: nem proletária, nem sequer burguesa. O que está em questão é a incultura semiasiática, da qual não conseguimos sair até agora e da qual não conseguiremos sair sem sérios esforços, apesar de termos todas as possibilidades de sair, pois em parte nenhuma as massas populares estão tão interessadas pela verdadeira cultura como entre nós; em parte nenhuma as questões desta cultura se colocam dum modo tão profundo e consequente como entre nós; em parte nenhuma, em nenhum país, o poder de Estado se encontra nas mãos da classe operária, que na sua massa compreende perfeitamente as deficiências, não direi da sua cultura, mas do seu grau de alfabetização; em parte nenhuma como entre nós ela está tão pronta a fazer tantos sacrifícios e os faz para melhorar a sua situação neste aspecto.

Fazemos ainda muito pouco, pouquíssimo, para deslocar todo o nosso orçamento de Estado para a satisfação, em primeiro lugar, das necessidades da instrução pública elementar. Mesmo no Comissariado do Povo da Instrução Pública podemos encontrar frequentemente um monstruoso excesso de pessoal numa qualquer editora do Estado, fora de quaisquer preocupações de que a atenção principal do Estado deve ser não pelas editoras, mas para que haja leitores, para que haja um maior número de pessoas que saibam ler, para que na futura Rússia as edições tenham uma maior amplitude política. Por um antigo (e mau) costume, ainda dedicamos muito mais tempo e energias às questões técnicas, por exemplo, à questão das editoras, do que à questão política geral do grau de alfabetização do povo.

Se tomarmos a Glavprofobr(01), estamos certos de que também aqui poderíamos encontrar nela muito e muito de supérfluo, de exagerado pelos interesses departamentais, inadequados às necessidades duma ampla instrução pública. Na Glavprofobr nem tudo se justifica, longe disso, pelo legítimo desejo de elevar primeiro e dar uma orientação prática à instrução da nossa juventude das fábricas. Se examinarmos atentamente o quadro de pessoal da Glavprofobr, encontraremos muito, muitíssimo de excessivo e de fictício deste ponto de vista e que deve ser encerrado. Num Estado proletário e camponês pode-se economizar e deve-se economizar muito e muito para desenvolver a alfabetização do povo, à custa do encerramento de toda a espécie de jogos de tipo semi-senhorial, ou das instituições sem as quais podemos, poderemos e deveremos passar ainda muito tempo, tendo em conta o estado de alfabetização do povo de que fala a estatística.

O professor primário deve ser elevado no nosso país a um nível que nunca teve, não tem nem pode ter na sociedade burguesa. Isto é uma verdade que não precisa de demonstração. Devemos caminhar para esse estado de coisas com um trabalho sistemático, infatigável e perseverante na sua elevação espiritual e na sua preparação multilateral com vista ao seu título efetivamente elevado e, o que é principal, principal e principal, na elevação da sua situação material.

É preciso reforçar sistematicamente o trabalho de organização dos professores primários para os transformar de apoio do regime burguês, como o são até agora em todos os países capitalistas sem exceção, num apoio do regime soviético, para através deles desviar o campesinato da aliança com a burguesia e atraí-lo para a aliança com o proletariado.

Assinalarei brevemente o papel especial que devem desempenhar para isto as viagens sistemáticas ao campo, que de resto já se praticam entre nós e que devem ser desenvolvidas planificadamente. Em medidas como estas viagens não é de lamentar gastar o dinheiro que frequentemente se esbanja num aparelho estatal que pertence quase por completo a uma velha época histórica.

Reuni materiais para o meu discurso no congresso dos Sovietes, em Dezembro de 1922 - discurso que não cheguei a pronunciar -, sobre o patrocínio da população dos campos pelos operários urbanos. Alguns materiais sobre isto foram-me proporcionados pelo camarada Khodoróvski. E hoje coloco este tema perante os camaradas para que o estudem, pois eu próprio não pude estudá-lo e torná-lo público através do congresso dos Sovietes.

Aqui a questão política fundamental consiste na atitude da cidade em relação ao campo, que tem uma importância decisiva para toda a nossa revolução. Ao mesmo tempo que o Estado burguês orienta sistematicamente todos os seus esforços no sentido de embrutecer os operários da cidade, adaptando a esse fim toda a literatura que se edita por conta do Estado, por conta dos partidos tzaristas e burgueses, nós podemos e devemos empregar o nosso poder no sentido de transformar realmente o operário da cidade em portador das ideias comunistas para o seio do proletariado agrícola.

Disse “comunistas”, mas apresso-me a expor algumas reservas, receando que isto suscite confusão ou seja entendido demasiado à letra. Isto de modo nenhum deve ser entendido como se devêssemos levar imediatamente ao campo as ideias pura e exclusivamente comunistas. Enquanto não tivermos no campo uma base material para o comunismo, isso seria, podemos afirmá-lo, prejudicial, isso seria, podemos afirmá-lo, funesto para o comunismo.

Não. É preciso começar por estabelecer relações entre a cidade e o campo, sem se propor desde logo como objetivo premeditado introduzir o comunismo no campo. Este objetivo não pode ser alcançado agora. Este objetivo é inoportuno. Propor-se tal objetivo não seria útil, mas prejudicial, à causa.

A nossa obrigação e uma das tarefas fundamentais da classe operária, que se encontra no poder, é estabelecer relações entre os operários da cidade e os trabalhadores do campo, estabelecer entre eles uma forma de camaradagem que possa ser facilmente criada entre eles. Para isso é preciso fundar uma série de associações (do partido, sindicais, privadas) de operários fabris, que estabeleçam a si próprias como objetivo sistemático ajudar o campo no seu desenvolvimento cultural.

Conseguiremos nós “repartir” todas as células urbanas por todas as do campo, de modo a que cada célula operária “repartida” a uma célula correspondente do campo se preocupe sistematicamente, em cada momento e em cada caso, em satisfazer tal ou tal necessidade cultural da sua cocélula? Ou conseguiremos encontrar outras formas de ligação? Aqui limito-me a colocar a questão para chamar para ela a atenção dos camaradas, para lhes indicar a experiência da Sibéria Ocidental (foi o camarada Khodoróvski que me contou esta experiência) e para expor em toda a sua dimensão esta gigantesca tarefa cultural de importância histórica mundial.

Não fazemos quase nada para o campo fora do nosso orçamento oficial ou fora das nossas relações oficiais. É verdade que as relações culturais entre a cidade e o campo adquirem por si mesmas entre nós, e adquirem inevitavelmente, outro caráter.

Sob o capitalismo a cidade dava ao campo aquilo que o degradava política, econômica, moral e fisicamente, etc. Entre nós a cidade começa a dar ao campo exatamente o contrário. Mas tudo isto se faz precisamente por si só, espontaneamente, e tudo isto pode ser reforçado (e depois também multiplicado cem vezes), tornando esse trabalho consciente, regular e sistemático.

Só começaremos a avançar (mas então avançaremos sem qualquer dúvida cem vezes mais rapidamente) quando submetermos esta questão a estudo e fundarmos toda a espécie de associações operárias - evitando por todos os meios a sua burocratização - com o fim de colocar, discutir e levar à prática esta questão.

Notas:

* No texto datilográfico, o título do artigo não aparece. No Pravda, o artigo foi publicado sob o título Páginas do Diário. O artigo de Lenin exerceu uma influência sobre as tarefas da instrução pública no país. Em 10 de Janeiro de 1923, o Comissariado do Povo da Educação, num radiograma aos departamentos da instrução pública, propôs que se divulgasse amplamente o artigo «Páginas do Diário» e se elaborassem medidas concretas para o cumprimento das indicações de Lenin contidas nesse artigo.

(01) Glavprofobr: Direcção Principal das Escolas Politécnicas Profissionais e dos Estabelecimentos de Ensino Superior do Comissariado do Povo da Educação.

Edição: Que Fazer

Fonte: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1923/01/02.htm 

 

1.10.21

Uma das Condições Fundamentais do Êxito dos Bolcheviques*

 Lenin 

Hoje, sem dúvida, quase todo mundo já compreende que os bolcheviques não se teriam mantido no poder, não digo dois anos e meio, mas nem sequer dois meses e meio, não fosse a disciplina rigorosíssima, verdadeiramente férrea, de nosso Partido, não fosse o total e incondicional apoio da massa da classe operária, isto é, tudo que ela tem de consciente, honrado, abnegado, influente e capaz de conduzir ou trazer consigo as camadas atrasadas.



A ditadura do proletariado é a guerra mais severa e implacável da nova classe contra um inimigo mais poderoso, a burguesia, cuja resistência está decuplicada, em virtude de sua derrota (mesmo que em apenas um país), e cuja potência consiste não só na força do capital internacional, na força e na solidez das relações internacionais da burguesia, como também na força do costume, na força da pequena produção. Porque, infelizmente, continua a haver no mundo a pequena produção em grande escala, e ela cria capitalismo e burguesia constantemente, todo dia, a toda hora, através de um processo espontâneo e em massa. Por tudo isso, a ditadura do proletariado é necessária, e a vitória sobre a burguesia torna-se impossível sem uma guerra prolongada, tenaz, desesperada, mortal; uma guerra que exige serenidade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e uma vontade única.

A experiência da ditadura proletária triunfante na Rússia, repito, demonstrou, de modo palpável, a quem não sabe pensar ou a quem não teve oportunidade de refletir sobre esse problema, que a centralização incondicional e a disciplina mais severa do proletariado constituem uma das condições fundamentais da vitória sobre a burguesia.

Fala-se disso com frequência. Mas não se medita suficientemente sobre o que isso significa e sobre as condições em que isso se torna possível. Não conviria que as saudações entusiásticas ao Poder dos Sovietes e aos bolcheviques fossem acompanhadas, mais amiúde, pela mais séria análise das causas que permitiram aos bolcheviques forjar a disciplina de que necessita o proletariado revolucionário? 

O bolchevismo existe como corrente do pensamento político e como partido político desde 1903. Somente a história do bolchevismo em todo o período de sua existência é capaz de explicar satisfatoriamente as razões pelas quais ele pôde forjar e manter, nas mais difíceis condições, a disciplina férrea, necessária à vitória do proletariado.

A primeira pergunta que surge é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como é ela comprovada? Como é fortalecida? Em primeiro lugar, pela consciência da vanguarda proletária e por sua fidelidade à revolução, por sua firmeza, seu espírito de sacrifício, seu heroísmo. Segundo, por sua capacidade de ligar-se, aproximar-se e, até certo ponto, se quiserem, de fundir-se com as mais amplas massas trabalhadoras, antes de tudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Finalmente, pela justeza da linha política seguida por essa vanguarda, pela justeza de sua estratégia, e de sua tática políticas, com a condição de que as mais amplas massas se convençam disso por experiência própria. Sem essas condições é impossível haver disciplina num partido revolucionário realmente capaz de ser o partido da classe avançada, fadada a derrubar a burguesia e a transformar toda a sociedade. Sem essas condições, os propósitos de implantar uma disciplina convertem-se, inevitavelmente, em ficção, em frases sem significado, em gestos grotescos. Mas, por outro lado, essas condições não podem surgir de repente. Vão se formando somente através de um trabalho prolongado, de uma dura experiência; sua formação é facilitada por uma acertada teoria revolucionária que, por sua vez, não é um dogma e só se forma de modo definitivo em estreita ligação com a experiência prática de um movimento verdadeiramente de massas e verdadeiramente revolucionário.

Se o bolchevismo pode elaborar e levar à prática com êxito, nos anos de 1917/1920, em condições de inaudita gravidade, a mais rigorosa centralização e uma disciplina férrea, deve-se simplesmente a uma série de particularidades históricas da Rússia.

De um lado, o bolchevismo surgiu em 1903 fundamentado na mais sólida base da teoria do marxismo. E a justeza dessa teoria revolucionária - e de nenhuma outra - foi demonstrada tanto pela experiência internacional de todo o século XIX como, em particular, pela experiência dos desvios, vacilações, erros e desilusões do pensamento revolucionário na Rússia. No decurso de quase meio século, aproximadamente de 1840 a 1890, o pensamento de vanguarda na Rússia, sob o jugo do terrível despotismo do czarismo selvagem e reacionário, procurava avidamente uma teoria revolucionária justa, acompanhando com zelo e atenção admiráveis cada "última palavra" da Europa e da América nesse terreno. A Rússia tornou sua a única teoria revolucionária justa, o marxismo, em meio século de torturas e sacrifícios extraordinários, de heroísmo revolucionário nunca visto, de incrível energia e abnegada pesquisa, de estudo, de experimentação na prática, de desilusões, de comprovação, de comparação com a experiência da Europa. Graças à emigração provocada pelo czarismo, a Rússia revolucionária da segunda metade do século XIX contava, mais que qualquer outro país, com enorme riqueza de relações internacionais e excelente conhecimento de todas as formas e teorias do movimento revolucionário mundial.

Por outro lado, o bolchevismo, surgido sobre essa granítica base teórica, teve uma história prática de quinze anos (1903/1917) sem paralelo no mundo, em virtude de sua riqueza de experiências. Nenhum país, no decurso desses quinze anos, passou, nem ao menos aproximadamente, por uma experiência revolucionária tão rica, uma rapidez e um variedade semelhantes na sucessão das diversas formas do movimento, legal e ilegal, pacífico e tumultuoso, clandestino e declarado, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e terrorista. Em nenhum país esteve concentrada, em tão curto espaço de tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de luta, de todas as classes da sociedade contemporânea, luta que, além disso, em consequência do atraso do país e da opressão do jugo czarista, amadurecia com singular rapidez e assimilava com particular sofreguidão e eficiência a "última palavra" da experiência política americana e europeia.

*Capítulo II do livro Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo.

Edição: Que Fazer.

Fonte: Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo; Edições Símbolo; 1978.

O processo de construção socialista e nacional no Cazaquistão e na Ásia Central

  Conclusões atuais Ainur Kurmanov , co-presidente do Movimento Socialista do Cazaquistão Bandeira do Cazaquistão na era soviética. ...