30.7.21

As Seis Características Fundamentais de um Partido Comunista*

 Álvaro Cunhal**, 09/2001.

[...] O quadro das forças revolucionárias existentes no mundo alterou-se nas últimas décadas do século XX.

O movimento comunista internacional e os partidos seus componentes sofreram profundas modificações em resultado da derrocada da URSS e de outros países socialistas e do êxito do capitalismo na competição com o socialismo.

Álvaro Cunhal

Houve partidos que renegaram o seu passado de luta, a sua natureza de classe, o seu objetivo de uma sociedade socialista e a sua teoria revolucionária. Em alguns casos, tornaram-se partidos integrados no sistema e acabaram por desaparecer.

Esta nova situação no movimento comunista internacional abriu na sociedade um espaço vago no qual tomaram particular relevo outros partidos revolucionários que, nas condições concretas dos seus países, se identificaram com os partidos comunistas em aspectos importantes e por vezes fundamentais dos seus objetivos e da sua ação.

Por isso, quando se fala hoje do movimento comunista internacional, não se pode, como em tempos se fez, colocar uma fronteira entre partidos comunistas e quaisquer outros partidos revolucionários. O movimento comunista passou a ter em movimento uma nova composição e novos limites.

Estes acontecimentos não significam que partidos comunistas, com a sua identidade própria, não façam falta à sociedade. Pelo contrário. Com as características fundamentais da sua identidade, partidos comunistas são necessários, indispensáveis e insubstituíveis, tendo em conta que assim como não existe um “modelo” de sociedade socialista, não existe um “modelo” de partido comunista.

Entretanto, com diferenciadas respostas concretas a situações concretas, podem apontar-se seis características fundamentais da identidade de um partido comunista, tenha este ou outro nome.

- Ser um partido completamente independente dos interesses, da ideologia, das pressões e ameaças das forças do capital.

Trata-se de uma independência do partido e da classe, elemento constitutivo da identidade de um partido comunista. Afirma-se na própria ação, nos próprios objetivos, na própria ideologia.

A ruptura com essas características essenciais em nenhum caso é uma manifestação de independência, mas, pelo contrário, é, em si mesma, a renúncia a ela.

- Ser um partido da classe operária, dos trabalhadores em geral, dos explorados e oprimidos.

Segundo a estrutura social da sociedade em cada país, a composição social dos membros do partido e da sua base de apoio pode ser muito diversificada. Em qualquer caso, é essencial que o partido não esteja fechado em si, não esteja voltado para dentro, mas, sim voltado para fora, para a sociedade, o que significa, não só, mas antes de mais, que esteja estreitamente ligado à classe operária e às massas trabalhadoras.

Não tendo isto em conta, a perda da natureza de classe do partido tem levado à queda vertical da força de alguns e, em certos casos, à sua autodestruição e desaparecimento.

A substituição da natureza de classe do partido pela concepção de um “partido dos cidadãos” significa ocultar que há cidadãos exploradores e cidadãos explorados e conduzir o partido a uma posição neutra na luta de classes – o que na prática desarma o partido e as classes exploradas e faz do partido um instrumento apendicular da política das classes exploradoras dominantes.

- Ser um partido com uma vida democrática interna e uma única direção central.

A democracia interna é particularmente rica em virtualidades nomeadamente: trabalho coletivo, direção coletiva, congressos, assembleias, debates em todo o partido de questões fundamentais da orientação e ação política, descentralização de responsabilidades e eleição dos órgãos de direção central e de todas as organizações.

A aplicação destes princípios tem de corresponder à situação política e histórica em que o partido atua.

Nas condições de ilegalidade e repressão, a democracia é limitada por imperativo de defesa. Numa democracia burguesa, as apontadas virtualidades podem conhecer, e é desejável que conheçam, uma muito vasta e profunda aplicação.

- Ser um partido simultaneamente internacionalista e defensor dos interesses do país respectivo.

Ao contrário do que em certa época foi defendido no movimento comunista, não existe contradição entre estes dois elementos da orientação e ação dos partidos comunistas.

Cada partido é solidário com os partidos, os trabalhadores e os povos de outros países. Mas é um defensor convicto dos interesses e direitos do seu próprio povo e país. A expressão “partido patriótico e internacionalista” tem plena atualidade neste findar do século XX. Pode, na atitude internacionalista, incluir-se, como valor, a luta no próprio país e, como valor para a luta no próprio país, a relação de solidariedade para com os trabalhadores e os povos de outros países. 

- Ser um partido que define, como seu objetivo, a construção de uma sociedade sem explorados nem exploradores, uma sociedade socialista.

Este objetivo tem também plena atualidade. Mas as experiências positivas e negativas da construção do socialismo numa série de países e as profundas mudanças na situação mundial, obrigam a uma análise crítica do passado e a uma redefinição da sociedade socialista como objetivo dos partidos comunistas.

- Ser um partido portador de uma teoria revolucionária, o marxismo-leninismo, que não só torna possível explicar o mundo, como indica o caminho para transformá-lo.

Desmentindo todas as caluniosas campanhas anticomunistas, o marxismo-leninismo é uma teoria viva, antidogmática, dialética, criativa, que se enriquece com a prática e com as respostas que é chamada a dar às novas situações e aos novos fenômenos. Dinamiza a prática, enriquece-se e desenvolve-se criativamente com as lições da prática.

Marx no “O Capital” e Marx e Engels no “Manifesto do Partido Comunista” analisaram e definiram os elementos e características fundamentais do capitalismo. O desenvolvimento do capitalismo sofreu, porém, na segunda metade do século XIX, uma importante modificação. A concorrência conduziu à concentração e a concentração ao monopólio.

Deve-se a Lenin, na sua obra “O imperialismo, fase superior do capitalismo”, a definição do capitalismo nos finais do século XIX.

Estes desenvolvimentos da teoria têm extraordinário valor. E igual valor têm a investigação e a sistematização dos conhecimentos teóricos.

Numa síntese de extraordinário rigor e clareza, um célebre artigo de Lenin indica “as três fontes e as três partes constitutivas do marxismo”.

Na filosofia, o materialismo-dialético, tendo no materialismo histórico a sua aplicação à sociedade.

Na economia política, a análise e explicação do capitalismo e da exploração, cuja “pedra angular” é a teoria da mais-valia.

Na teoria do socialismo, a definição de uma sociedade nova com a abolição da exploração do homem pelo homem.

Ao longo do século XX, acompanhando as transformações sociais, novas e numerosas reflexões teóricas tiveram lugar no movimento comunista. Porém, reflexões dispersas, contraditórias, tornando difícil distinguir o que são desenvolvimentos teóricos, do que é o afastamento revisionista de princípios fundamentais.

Daí o caráter imperativo de debates, sem ideias feitas nem verdades absolutizadas, procurando, não chegar a conclusões tidas por definitivas, mas aprofundar a reflexão comum.


* Trecho da intervenção enviada ao Encontro Internacional sobre a "Vigencia y actualización del marxismo", organizado pela Fundación Rodney Arismendi , em Montevideo, de 13 a 15 de Setembro de 2001, por ocasião do 10º aniversário da sua constituição.

** Álvaro Cunhal, nasceu em Coimbra em 1913 e iniciou a sua atividade revolucionária quando estudante na Faculdade de Direito de Lisboa. Participou no movimento associativo e foi eleito em 1934 como o representante dos estudantes no Senado Universitário. Foi militante da Federação da Juventude Comunista Portuguesa (FJCP) sendo eleito seu Secretário-Geral em 1935, ano em que passou à clandestinidade e participou, em Moscou, no IV Congresso da Internacional Juvenil Comunista. Membro do Partido Comunista Português (PCP) desde 1931.

Preso em 1937 e 1940 e submetido a torturas, voltou imediatamente à luta logo que libertado depois de alguns meses de prisão.

Participou na reorganização do PCP, em 1940/41. Vivendo de novo na clandestinidade, foi membro do Secretariado de 1942 a 1949.

Preso de novo nesse ano fez no Tribunal fascista uma severa acusação à ditadura fascista e a defesa da política do Partido. Condenado, veio a permanecer 11 anos seguidos nas cadeias fascistas, quase 8 anos dos quais em completo isolamento. Em 3 de Janeiro de 1960 evadiu-se da prisão-fortaleza de Peniche junto com um grupo de destacados militantes comunistas. De novo chamado ao Secretariado do Comité Central, foi eleito Secretário-Geral do PCP, em 1961.

Desde então, participou em inúmeros congressos e encontros com partidos comunistas e outras forças revolucionárias e em conferências internacionais.

Depois do derrubamento da ditadura fascista em 25 de Abril de 1974, foi Ministro sem Pasta do 1º, 2º, 3º e 4º governos provisórios e eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1975 e à Assembleia da República em 1976, 1979, 1980, 1983, 1985, 1987. Foi membro do Conselho de Estado.

Na aplicação das decisões do XIV Congresso do PCP (em 1992) relativas à renovação e à nova estrutura de direção deixou de ser Secretário-Geral do PCP e foi eleito pelo Comité Central Presidente do Conselho Nacional do Partido.

Em Dezembro de 1996 (no XV Congresso do PCP) extinto o Conselho Nacional do PCP e o cargo de Presidente, foi reeleito membro do Comité Central, o que sucedeu também nos XVI e XVII Congressos, respectivamente em 2000 e 2004.

Autor de vasta obra publicada quer no plano político e ideológico, quer no plano literário, nomeadamente com o pseudônimo de "Manuel Tiago", quer ainda no plano das artes plásticas.

Fonte: https://www.resistir.info/portugal/seis_caracteristicas.html

Edição: Que Fazer.


23.7.21

O que é o marxismo-leninismo?

 Florestan Fernandes

"Sua total fidelidade ao marxismo não pressupunha a “repetição de Marx” ou a ossificação da dialética, e sim a busca de caminhos novos, que só o marxismo podia desvendar, desde que aplicado de forma precisa, exigente e imaginativa, como um saber vivo, em intrínseca conexão com a vida."

Florestan Fernandes, intelectual e militante pelo socialismo.

   Desde o início de suas atividades intelectuais e políticas, Lênin sempre se considerou um marxista – e, o que é mais importante, sempre procurou ser um marxista ortodoxo. Por isso, não se contentou com a rica produção socialista que encontrou à sua disposição como jovem: foi diretamente aos textos de Marx e Engels, estudou-os sistematicamente e aos poucos tentou dominar também os autores que estavam nas raízes da formação do marxismo. A sua primeira obra de grande envergadura, O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, evidencia três coisas:

1 - Completo domínio crítico das teorias econômicas de Marx e do materialismo histórico;

2 - Aplicação exclusiva dessas teorias na descrição e interpretação dos fatos (isto é, sem qualquer modalidade erudita de ecletismo);

3 - As teorias econômicas de Marx forneciam “hipóteses diretrizes”, estando longe de ser a fonte de um dogmatismo estéril: o que assegurava a marcha criadora da investigação, que se abria para a descoberta tanto do que era geral, quanto para o que era peculiar à manifestação do capitalismo na Rússia.

   Esse estilo de trabalho aparece com igual maestria nos escritos especificamente políticos da época, principalmente naqueles em que faz a crítica marxista do “populismo” e “economicismo” no movimento socialista russo. Portanto, as aplicações do marxismo ao plano prático revelam o mesmo espírito de identificação congruente, a um tempo flexível, mas intransigente com os princípios do socialismo revolucionário. Que Fazer?, como obra de síntese e de superação das experiências políticas acumuladas durante o período de formação, constitui a face política das descobertas históricas e econômicas contidas em O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. Sua total fidelidade ao marxismo não pressupunha a “repetição de Marx” ou a ossificação da dialética, e sim a busca de caminhos novos, que só o marxismo podia desvendar, desde que aplicado de forma precisa, exigente e imaginativa, como um saber vivo, em intrínseca conexão com a vida.

   Na cisão de 1903, vários bolcheviques, mais intimamente associados a Lênin e à sua liderança política, foram designados como “leninistas” (palavra que reaparece em outros contextos e mesmo, de passagem, em escritos de Lênin). No entanto, após a reviravolta de abril e a tomada do poder, o “leninismo” ganhou expressão política, que se acentuou graças á luta pela sucessão de Lênin após sua morte. O “leninismo”, assim entendido, significa pouca coisa: na primeira acepção, “seguidor de Lênin”, no sentido de uma oposição intransigente ao reformismo, e ao oportunismo; na segunda acepção, alguém que fazia profissão de fé diante da natureza revolucionária do partido comunista, da ditadura do proletariado e do Estado soviético (e, implicitamente, no desdobramento das etapas de transição para o socialismo e para o comunismo). Ora, se isso fosse tudo, não haveria razão para o uso crescente da expressão marxismo-leninismo, que finalmente se universalizou e se viu consagrada de modo definitivo. O legado de Lênin transformou o marxismo e é essa transformação que nos interessa aqui.

   Sem subestimar-se a contribuição teórica de Lênin (crucial em vários pontos para o enriquecimento e o aprofundamento do marxismo: como no estudo da penetração do capitalismo na agricultura, das condições e efeitos do desenvolvimento desigual ou do imperialismo, na explicação da guerra e da revolução, na sistematização das explicações marxistas do Estado e da própria utopia marxista, tão mal representada e conhecida antes dele, etc.), é no terreno da prática que se acha o eixo da transmutação leninista do marxismo. Isto não quer dizer que esta prática estivesse desligada da teoria – pois nunca esteve ou poderia estar, no pensamento dialético-materialista – nem tampouco que Marx, Engels e seus seguidores tivessem negligenciado, na teoria e na ação, as várias dimensões da pratica (especialmente a política). Mas significa, isso sim, que Lênin se impôs como tarefa de sua vida a adequação instrumental, institucional e política do marxismo à concretização da revolução proletária. O marxismo, depois de Lênin, não é mais a mesma coisa, porque ele incorporou um “modelo” de como passar da ditadura burguesa à ditadura do proletariado.

   Esse modelo desloca o âmago do marxismo para a reflexão política, ou seja, para as condições concretas da ação política e da transformação política, quando se focaliza dialeticamente as relações de classes como relações de poder (a luta de classes como um processo que conduz à formação e ao controle do que destrói e instaura a transição para o socialismo). Antes de Lênin, semelhante elemento político estava incluído no marxismo como uma previsão e, também, como um momento da vontade política. Com Lênin, esse elemento converte-se no ponto central da indagação marxista e, do próprio marxismo como movimento político. Sob as condições mais ou menos paralisadoras da democracia burguesa, como dar ao proletariado – classe que pode arrastar atrás de si a massa não-possuidora e constituir-se em núcleo hegemônico de uma maioria atuante – a capacidade de converter seu poder potencial em poder real? Absorveu-se, assim, no problema político da sociedade de classes; e, como marxista, não apenas para explicar como a minoria pode suplantar a maioria e submetê-la, mesmo sob o “capitalismo agonizante”, mas também para descobrir como transformar o inócuo poder potencial da maioria em poder especificamente político, concentrado e disciplinado de forma revolucionária.

    Atento ás estruturas de poder e aos efeitos políticos da dominação de classe, inerentes à democracia burguesa, Lênin chegou rapidamente à conclusão de que a revolução proletária possui um padrão histórico próprio. Em contraste com a revolução burguesa, ela não pode iniciar-se antes da tomada do poder pelo proletariado e da dominação pela maioria. Por isso, o problema estratégico de luta pelo poder tinha de ser proposto em termos do uso, revolucionário do espaço político que a classe operária pode conquistar e manejar com relativa autonomia, ilegal e legalmente, no seio da sociedade de classes. Como a dominação burguesa também implica socialização ideológica e politica do resto da sociedade pela burguesia, tal uso do espaço político impunha, naturalmente, certas condições básicas: 1) formação de uma minoria contestadora fortemente organizada, capaz de atuar legalmente e ilegalmente, sem vacilações, como vanguarda revolucionária da classe operária; 2) a ruptura com todas as formas diretas ou indiretas e visíveis ou invisíveis de acomodação à ordem democrática burguesa; 3) a educação política do proletariado e, na medida do possível, das massas pobres e da pequena burguesia, através de situações e de reivindicações concretas, do desenvolvimento da consciência de classe e da agudização (aos níveis econômico, sociocultural e político) dos conflitos de classe. Isso punha em primeiro plano a questão da organização do partido revolucionário do proletariado e de sua orientação política. E, de outro lado, exigia uma nova mentalidade e uma nova prática política nas relações do partido com sua base e com a massa.

    Com referência à organização do partido, Lênin fixou normas de racionalização que deviam ser iguais ou superiores às que têm vigência na grande empresa capitalista, no exército moderno ou no Estado democrático burguês. Em consequência, as tarefas de agitação e propaganda podiam irradiar-se por toda a sociedade, embora concentrando-se com maior intensidade na classe operária; e as tarefas políticas, imediatas e de largos prazos, podiam ser definidas segundo critérios específicos de flexibilidade e de eficácia. A ideia básica consistia em que a revolução não nasce pronta e acabada – o partido revolucionário do proletariado deveria travar duas batalhas, clandestina ou abertamente, tendo em vista as combinações que poderiam favorecer, em determinado momento, ou o fortalecimento da democracia burguesa, ou o deslocamento desta no sentido de uma democracia operária, ou a tomada pura e simples do poder.

    Todas essas estratégias foram exploradas, com as táticas correspondentes, e Lênin foi o mestre das principais diretrizes (embora a sua produção intelectual e política, nessa direção, aguarde estudo sistemático). Por sua vez, para cumprir essa missão era indispensável interromper a infiltração ou a corrupção burguesa, impedindo as soluções de compromisso ou de aparente “revolução dentro da ordem” (ambas de exclusivo interesse para a dominação burguesa e a consolidação do status quo). Daí a necessidade impetuosa de combater sem tréguas o oportunismo, o reformismo e o ultra-esquerdismo, por vários motivos dissolventes do espírito revolucionário, da atuação revolucionária racional e da solidariedade política do proletariado. Por fim, uma vanguarda revolucionária do proletariado não podia nem devia representar-se e comporta-se como uma elite e segundo valores elitistas. Se ela devia contribuir para a expansão da consciência de classe do proletariado de “fora para dentro” (isto é, imprimindo às suas tarefas políticas um teor pedagógico), ela nunca foi concebida por Lênin, em si mesma, como o polo decisivo. Este tinha de ser, naturalmente, o proletariado, como sujeito da ação revolucionária em escala coletiva, já que de sua impulsão dependeria a vitória da revolução proletária ou da contra-revolução. Por conseguinte, as relações do partido revolucionário do proletariado com sua base e com a massa eram definidas segundo um esquema dialético: para dirigir o processo político, aquele partido teria de sintonizar-se com a classe operária e com as massas, acompanhando as evoluções de sua aprendizagem e de sua socialização política através das flutuações da luta de classes.

   Apesar da extrema condensação, essas formulações sugerem como Lênin, a partir do marxismo e dentro do marxismo, quebrou a circularidade política que pesava sobre a ação revolução proletária. Ele ignorou o peso paralisante da existência ou inexistência de “condições objetivas” que permitissem a revolução proletária. Fez isso deslocando em várias direções o aproveitamento revolucionário das condições objetivas existentes (na consolidação da democracia burguesa, na acentuação da influência operária dentro da democracia burguesa ou na criação de uma democracia operária sem a destruição do Estado proletário, etc.), sempre em direções que atendessem, a curto e longo prazos, os alvos finais de destruição do capitalismo e de transição para o socialismo. Doutro lado deu maior ênfase (e mesmo maior peso relativo) ao controle político das “condições subjetivas”, mais suscetíveis de tratamento político deliberado, segundo manipulações estratégicas e táticas. Nessa esfera, tanto era possível aproveitar a influência direta da vanguarda revolucionária sobre o proletariado e as massas, quanto os efeitos educativos, seja da ineficácia do Estado democrático burguês para atender ás reivindicações do proletariado, seja de uma vitória eventual da contra-revolução. A vantagem de dispensar maior atenção às “condições subjetivas” procedia de outro resultado previsível: a rápida transformação do proletariado em classe politicamente consciente e apta para proceder à reeducação política do resto da maioria. Assim, em “condições objetivas” aparentemente desvantajosas, um país atrasado como a Rússia logrou realizar a primeira revolução proletária da história.

    As revoluções de 1905 e de 1917 forneceram à Lênin base política para a ampliação e o aperfeiçoamento desse “modelo” básico. A primeira revolução, em particular, submeteu à prova a própria consistência do “modelo”. O comportamento do proletariado e do campesinato pobre demonstrou que ele era correto: a vanguarda revolucionária não ficou sozinha (e por vezes andou atrás das massas!). Portanto, dadas as condições adequadas de organização e de orientação política, o partido revolucionário do proletariado podia colocar-se à frente do movimento político revolucionário e dirigi-lo. De outro lado, eclodiram e multiplicaram-se greves de massa, econômicas e políticas, que abriram os olhos de Lênin e dos socialistas europeus para as novas técnicas revolucionárias que emergiam, as quais envolviam a contraviolência armada. À medida que os sovietes se firmam, por sua vez, como o equivalente russo da Comuna, as reflexões de Lênin se voltam para os aspectos institucionais e militares da tomada do poder. O soviete oferecia uma solução para a pressão democrático-revolucionária do proletariado, de alguns setores do campesinato ou das massas urbanas. Todavia, ao longo do processo ficou patente que os sovietes não detinham a força real e que não podiam, por si mesmos, suprimir a dominação da classe burguesa. Ainda aí voltava a ser decisivo o “modelo” central esboçado acima. Só que a situação compelia a novas definições, relacionadas com a natureza e variedade dos meios institucionais de que se deveria valer a ditadura do proletariado para atingir seus objetivos.

    Os sovietes permitiam resolver o problema das fontes e da natureza do poder proletário, que deveria emanar da maioria e exprimi-la o mais democraticamente possível, em sua estrutura interna. As fases iniciais, porém, teriam de ser de dominação exclusiva e plena da maioria (portanto, não de abolição imediata das classes, que não iriam desaparecer por um passe de mágica, mas de sua destruição progressiva). Lênin formula o Estado desse período como um Estado proletário, fundado no poder real da maioria (isto é, o poder soviético), mas submetido à necessidade inelutável de construir uma fortíssima maquinaria estatal, instrumentalizada pelo partido revolucionário do proletariado e pelos sovietes. Antes de promover a transição para o socialismo, esse Estado proletário ou soviético deveria proceder ao reajustamento das “condições objetivas”, levando a revolução proletária a todas as estruturas econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade russa.

    Aí está, em linhas gerais, o “modelo” ampliado de Lênin, quanto à passagem da ditadura burguesa à ditadura do proletariado. Para o marxismo, a contribuição de Lênin representa um acréscimo substantivo em duas direções. Primeiro, ela repôs o marxismo como política em suas bases revolucionárias, avançando do conhecimento da realidade política da sociedade de classes para o modo de organizar politicamente a sua transformação e destruição, como etapa preliminar à instauração do socialismo. Segundo, ela traz consigo a primeira descrição teórica e a primeira formulação prática da revolução proletária como processo histórico e vivido. Embora Lênin se preocupasse mais com as condições, as técnicas e os processos políticos de intervenção revolucionária na realidade, limitando as formalizações abstratas ao conhecimento teórico essencial para atingir tais fins, suas indagações e reflexões introduzem no marxismo um tratamento mais livre e dialético do político.

    Sem ignorar que qualquer transformação política possui uma base econômica e social concreta, ele desvendou, mais que os outros pensadores marxistas, o grau de autonomia relativa do político e a intensificação dessa autonomia nos momentos de crise e revolução. Com ele, o marxismo torna-se politicamente operacional, o que explica porque, depois dele, converte-se em marxismo-leninismo.

Fonte: “Lenin; Política”, Coleção Grandes Cientistas Sociais, Editora Ática.


18.7.21

Pressões Ideológicas e Clarificações na Identidade Comunista do Partido Comunista do México

Pável Blanco Cabrera*

21 de julho de 2016

O Partido Comunista do México (PCM) seguiu um caminho sinuoso até se encontrar com o marxismo-leninismo, e só após o momento se tornou possível a unidade ideológica e orgânica plena – na realidade e não apenas nas palavras – o que por sua vez permitiu uma maior intervenção junto da classe operária, mais clara, e um aumento da sua influência ideológica, baseada no crescimento e desenvolvimento partidário, forjando quadros à sua imagem e semelhança, isto é, da necessidade concreta e da estratégia revolucionária.

Pável Blanco Cabrera

Os primeiros anos que se seguiram ao início da reorganização, um período que vai de 1994 até ao ano 2001, foram de grande confusão, de ecletismo, de procura da identidade e de definições que permitiram decantar os comunistas dos revisionistas, assim como recuperar de posições de classe, graças ao rearmamento ideológico a partir do marxismo-leninismo.

A própria atividade do Partido, a sua vida interna e ação política mostram quanto essas limitações tinham impacto, e até certo ponto anulavam o desenvolvimento do PCM.

Nunca é demais sublinhar o mérito dos camaradas perfilharam a Convocatória de 20 de novembro de 1994 e também o fato de, independentemente dos erros, das limitações, dos desvios, fixaram um objetivo básico: a reorganização de um partido comunista no nosso país. Isso permitiu que os esforços militantes não se dispersassem, que se concentrassem forças nessa direção, que as discussões tivessem a marca desse mesmo Partido.

O próprio nome inicial, Partido dos Comunistas Mexicanos, como o explicou várias vezes Sergio Quiroz [1], seu principal dirigente de 1994 até 2002, tinha que ver com um conceito lato, uma casa comum para todos os partidários do socialismo; esta concepção era adotada de uma visão deformada de Gramsci e da prática eurocomunista dos comunistas italianos, bem como da mutação sofrida pelo Partido Comunista Francês; tudo isto era explicado como uma transição até a recuperação do nome de partido comunista, que se atingiria pela via da unidade dos diversos destacamentos, que nesses anos reivindicavam a luta pelo socialismo.

A grande tarefa de reorganizar o partido da classe operária era torpedeada pelas ideias alheias ao marxismo-leninismo que tinham influência na núcleo dirigente do Partido.

Um balanço errado da derrota temporal do socialismo

Em 1994 era imprescindível, tal como agora, uma resposta científica para explicar o retrocesso temporal que significava o triunfo da contrarrevolução na União Soviética, em praticamente todo o campo socialista, para a luta de classes e para a própria humanidade. Então, as análises eram mediadas pela visão imposta pelo imperialismo como ideologia dominante, isto é, análises circunscritas à questão da democracia, dos direitos humanos, da liberdade. Consequentemente, as respostas inscreviam-se naqueles derrotismos, pois renunciava-se a aspetos fundamentais da teoria marxista, como a ditadura do proletariado e a via revolucionária, ao não resistir às pressões ideológicas do fim da história.

Não ter firmeza nestes assuntos tem a ver com o fato de, no período anterior, a identidade comunista ter sido internacionalmente atacada sem houvesse resposta contundente. Desde 1956, com a plataforma oportunista do XX Congresso do PCUS, a teoria dissolvente das vias específicas para o socialismo, o policentrismo, a coexistência pacífica, a colaboração de classes e, posteriormente, o eurocomunismo, a perestroika e, particularmente no nosso país, a confusão entre o «nacionalismo revolucionário», ou a ideologia burguesa da Revolução Mexicana, e as posições marxistas [2]. Além disso, como resultado de tudo isto, devido a influências alheias ao marxismo-leninismo, para explicar os novos fenômenos e a realidade da luta de classes na situação contrarrevolucionária e na procura de respostas verificou-se um refúgio na teoria crítica, no marxismo ocidental, nos estudos de outras correntes adversas ao movimento comunista internacional, como a nova esquerda, isto para citar apenas um exemplo.

A reorganização do partido da classe operária enfrentou assim desde o berço a alternativa do ecletismo ideológico e o seu inevitável fracasso, ou o retomar o marxismo-leninismo e o reencontro com a identidade comunista, despojando-a dos desvios e deformações do degelo «antistalinista» e do oportunismo que minou o movimento comunista internacional após 1956. No entanto, esta opção não era possível em 1994, e teria que passar quase uma década e três Congressos para que as definições fossem possíveis, com o desenvolvimento de novos quadros, muita controvérsia e as contribuições de vários partidos comunistas e operários.

Retomando o tema do balanço da construção socialista, nesses anos iniciais surgiram críticas contra o burocratismo, o estatismo [3], o unipartidarismo. Fez-se um balanço científico com base no método marxista? Estudaram-se os documentos do PCUS, o funcionamento do Estado e dos Sovietes? Trocaram-se opiniões com os cientistas marxistas-leninistas dos partidos irmãos? Estudaram-se as tendências, a estatísticas, falou-se com os operários? Não, aderiu-se apenas a posições superficiais de alguns intelectuais de esquerda e de partidos irmãos que davam opiniões cuja inconsistência ficou demonstrada.

Toda a responsabilidade foi atribuída a Stalin, de quem o PCUS se tinha desligado 35 anos antes, para depois ser atacado com virulência pela Glasnost e pela Perestroika. Também de modo superficial alguns camaradas responsabilizavam apenas o traidor Gorbatchov. Ambas as abordagens são erradas, não têm em conta o que o marxismo-leninismo ensina sobre a política como reflexo da economia, a dialética revolução/contrarrevolução, e a agudização da luta de classes. Erro crasso superestimar o papel das personalidades na história.

Sem qualquer coerência argumentativa e saltando de uma posição para outra e baseando-se num artigo de Gramsci [4], Sérgio Quiroz recuperava a posição de Kautsky de que a Revolução de Outubro era um erro histórico, desde princípio condenada ao fracasso, por não estarem maduras na Rússia czarista as condições de desenvolvimento capitalista; e que o atraso das relações de produção gerava «deformações». Sem pudor, usavam-se expressões anticientíficas como «experiência fracassada», «colapso», «modelo soviético».

Como consequência disto o Programa do nosso Partido era neste aspecto inexato, pois fixar como objetivo histórico o «humanismo socialista e a nova democracia socialista» – conceito derivado da demarcação da construção socialista no século XX – levava ao abandono da concepção marxista-leninista sobre a revolução e as suas leis, bem como à refutação da ditadura do proletariado. O Partido reorganizava-se transportando consigo essa grave falha que o separava temporalmente da plenitude da identidade comunista. Foi em Abril-Maio de 2001, no II Congresso, após 7 anos de debate, que se recuperou a ditadura do proletariado como elemento fundamental na ideologia e no programa dos comunistas do nosso país. E tiveram que decorrer mais de 20 anos para que o Partido contasse com um Programa coerente com os nossos princípios e objetivos nesta época de Revolução social, processo assumido no período que vai do IV Congresso em novembro de 2010 e fevereiro de 2011, até ao V Congresso, em setembro de 2014. Estas indefinições, insistimos, atrasaram o nosso desenvolvimento como um mal menor, quando enfrentávamos o risco da liquidação partidária.

A corrosão ideológica afetava o conjunto das posições teóricas do socialismo científico. Quando se revê a publicação teórica com que então contava o PCM, Os Cadernos do Marxismo, as falhas são evidentes. Os nossos dirigentes colocavam-se nas posições do «marxismo ocidental», atacando o materialismo dialético como determinista e dogmático; insistiam, uma e outra vez, no marxismo como um novo humanismo, e nas teorias do «jovem Marx». As antologias das escolas de quadros dos anos 1994-1998 centravam-se na versão eurocomunista de Gramsci, em Luckacs, Korsch, Fromm, Schaff, nos escritos juvenis de Marx e nos escritos de Lenine sobre a NEP. Foi toda uma batalha interna para recuperar o estudo de Marx, Engels e Lenine, e com os clássicos ganhar educação política e uma formação de quadros baseada no materialismo histórico, no materialismo dialético, na economia política e no socialismo científico.

É necessário entender este processo para apreciar por que razão o PCM esteve sujeito todos esses anos aos vendavais das modas teóricas, das correntes oportunistas e do ecletismo da intelectualidade pequeno-burguesa, que desde a academia se inscreve na esquerda. Recordemos o impacto nesse momento da categoria «Sociedade civil» para mascarar a luta de classes, retirada também do campo do marxismo. Quanto tempo perdido.

Adoção temporal de concessões alheias à teoria leninista do Partido

Fortemente impressionado com as alterações organizativas do PC Francês no seu XVIII Congresso, Sergio Quiroz desenvolveu esse modelo nas nossas fileiras: renuncia ao centralismo e substitui-o por consensos, como forma democrática da vida interna; substituição do Comité Central por um Conselho Nacional; substituição do Secretário-Geral por um Coordenador Nacional que se renovava a cada seis meses, provocando a instabilidade na equipa dirigente; o questionamento dos quadros profissionais do Partido, o que dava lugar a que só os camaradas provenientes da academia, com mais possibilidades materiais tivessem trabalho de direção permanente. Essa horizontalidade impedia uma imprensa regular, uma sede central, organizar o trabalho por sectores, orientar a intervenção e estabelecer prioridades. Como a política estratégica do Partido consistia em trabalhar para a unidade da esquerda, tudo se destinava ao trabalho de relações, à diplomacia, e descuidava-se o desenvolvimento do Partido, o seu crescimento, o recrutamento, o trabalho organizativo, as frentes operário-sindical, ideológica, financeira, editorial, etc. Eram formas organizativas dissolventes que necessitávamos confrontar, e confrontámos.

Sublinhemos que a base teórica dessa posição organizativa radicava no questionamento do papel do proletariado, da classe operária, porque na direção partidária, então, o tema em voga era o livro de Rifkin O fim do trabalho.

Em sintonia com o pensamento de Robert Hue e a mutação oportunista dos franceses, a direção do PCM desenvolveu o conceito do Partido como casa comum, o que significava o ecletismo ideológico, a renúncia à unidade ideológica. No Partido podiam militar marxistas-leninistas, maoístas, gramscianos, crentes, trotskistas, lombardistas, seguidores da Nova Esquerda. Contra isso houve que lutar, e de forma irreconciliável, o que implicou a expulsão do Partido dessas concepções e dos quadros que as sustentavam.

O Partido sem unidade ideológica, com formas organizativas mais próximas a um movimento, tinha que superar essa crise, sequela da contrarrevolução, mas também do revisionismo e do oportunismo dos anos anteriores, e o seu renascimento com um apego ilimitado ao marxismo-leninismo.

Agudizam-se as contradições, tornam-se necessárias as definições

Unia-nos a ideia da necessidade do partido comunista, do partido da classe operária, da crítica ao capitalismo, e, no entanto, estava evidenciada a incompatibilidade entre o marxismo-leninismo e estes renovadores, que tinham méritos inegáveis [5], mas na prática estavam a colocar uma camisa-de-força que impedia o Partido de avançar.

De 1994 até 2001 é inegável a hegemonia do núcleo dirigente, quer ideológica quer politicamente [6]; o inconformismo crescia e expressou-se no II Congresso. Havia dois caminhos: enfrentar individualmente, como fizeram vários camaradas que consideravam que o Partido não tinha conserto e que por isso se retiravam para a sua vida pessoal ou para outras expressões políticas, ou entrar no debate dentro das estruturas partidárias, procurando convencer a maioria.

A gota que fez transbordar o copo foi a proposta de Sergio Queiroz de adoção das teses de Negri-Hart em Império. Isso deu lugar a um debate sobre a vigência ou a perda da vigência do leninismo, não só na teoria do imperialismo, mas também da Revolução, do Partido, etc. Tivemos que recuperar os debates adiados, refutar os conceitos que se foram apurando como globalização, altermundismo, movimentismo, neoliberalismo, a democracia como valor absoluto; mas isso implicou também confrontar as teses oportunistas anteriores, como a via nacional, o debate dependência/interdependência.

Esta luta ideológica tinha que ser abordada conjuntamente, pois os assuntos em questão estavam interligados. É preciso reconhecer que, baseando-nos nós unicamente na nossa experiência, tínhamos limitações e que – tal e como corresponde a um movimento de natureza internacional «pelo seu conteúdo» – foi necessário aprender com a experiência de outros partidos comunistas e operários, e com as polémicas contemporâneas. A nossa experiência era também, em maior ou menor grau, um problema geral de outros partidos. Nós aprendemos muito com o Partido Comunista da Grécia e com a Revista Comunista Internacional.

Chegar às conclusões que hoje subscrevemos não foi um processo simples, nem automático no processo de reorganização partidária. Foi um caminho complexo e com incertezas, mas é uma conquista para o presente e para o futuro do Partido, que tem de ver a frente ideológica como vital para a existência e o desenvolvimento do PCM, mas também deve aprender-se que quando se enfrentam dificuldades não pode tomar-se a atitude «quimicamente pura» de voltar as costas ao Partido, mas que há que defender o marxismo-leninismo dentro do Partido, com franqueza, nos correspondentes escalões do Partido.

Foi a partir da superação dessas influências alheias, de nos rearmarmos com o marxismo-leninismo, que superámos essas pressões ideológicas exteriores, e que, pensamos, existe uma experiência para afrontar as que no futuro se apresentem. Além disso, se hoje existe um crescimento das fileiras partidárias e uma intervenção clara entre a classe operária, isso deve-se precisamente a esta premissa.

Notas:

[1] Sergio Quiroz Miranda foi membro do Comité Central e da direção Nacional do Partido Popular Socialista (PPS) onde, entre outras responsabilidades foi Secretário das Relações Internacionais e por isso organizador do Encontro de Partidos Comunistas e Operários da América Latina e do Caribe, realizado no México em 1994; foi várias vezes Deputado Federal do PPS e entre o ano 1993-1994 liderou uma corrente que criticava a viragem oportunista do PPS e lutou por transformá-lo num partido comunista. Em 1994 assistiu ao XXVIII Congresso do Partido Comunista Francês, onde foi eleito Roberto Hue, e dele regressou muito impressionado e sempre propôs que a mutação fosse o nosso modelo político e reorganizativo.

[2] Esta mistura tem a sua origem na justificação teórica que o PCM expressou nos anos 30 do século passado para apelar à aliançada classe operária com o cadernismo (ª) (durante a viragem da Frente Popular indicada pelo VII Congresso da Comintern), levado a um plano superior pela influência do browderismo no nosso país durante o pós-guerra, e posição ideológica programática definitiva depois de 1956, com a chamada via mexicana para o socialismo.

[3] Em muitos casos empregava-se “estatalismo”.

[4] Gramsci, Antonio; A Revolução contra o Capital.

[5] Entre outros méritos, um dos mais importantes foi o não se terem juntado à transfiguração ideológica e, contrariando as ideias liquidacionistas terem colocado no meio da escura noite contrarrevolucionária a necessidade de reorganizar o Partido, ainda que alguns anos depois tentassem travá-lo e, inconscientemente, condená-lo a uma nova liquidação.

[6] Tanto em 1997 com o apoio eleitoral a Cárdenas e ao PRD para o governo da cidade do México, como em 2000 com os convénios de apoio ao PRD, tal como a Cárdenas para a Presidência da República, como a López Obrador para o Governos da cidade do México

*Secretário Geral do Partido Comunista do México (PCM).

  Edição: Que Fazer.

 

 


10.7.21

O Oportunismo e a Falência da II Internacional

 Lenin (janeiro/1916)

"O conteúdo político do oportunismo e do social-chauvinismo é o mesmo: a colaboração das classes, a renúncia à ditadura do proletariado, a renúncia às ações revolucionárias, o reconhecimento sem reservas da legalidade burguesa, a falta de confiança no proletariado, a confiança na burguesia." 



A II Internacional deixou realmente de existir? Os seus representantes mais autorizados, como Kautsky e Vandervelde, negam-no obstinadamente. Nada aconteceu além de uma ruptura das relações; tudo está bem; tal é o seu ponto de vista.

A fim de esclarecer a verdade, vejamos o manifesto do congresso de Basileia de 1912, que se refere precisamente à atual guerra mundial imperialista e foi adotado por todos os partidos socialistas do mundo. Deve-se assinalar que nenhum socialista ousará, em teoria, negar a necessidade de uma avaliação histórica concreta de cada guerra.

Agora que a guerra eclodiu, nem os oportunistas declarados nem os kautskistas se resolvem nem a negar o manifesto de Basileia nem a confrontar com as suas exigências o comportamento dos partidos socialistas durante a guerra. Por quê? Pois porque o manifesto os desmascara inteiramente a uns e a outros.

Nele não há nem uma única palavrinha sobre a defesa da pátria, nem sobre a diferença entre a guerra ofensiva e a guerra defensiva, nem uma palavra sobre tudo que afirmam agora aos quatro ventos os oportunistas e os kautskistas(1) da Alemanha e da quádrupla Entente. O manifesto não podia falar disso, dado que aquilo que ele diz exclui absolutamente qualquer emprego desses conceitos. Ele indica de maneira absolutamente concreta uma série de conflitos econômicos e políticos que prepararam esta guerra durante decênios, que se tinham revelado plenamente em 1912 e provocaram a guerra de 1914. O manifesto recorda o conflito russo-austríaco a propósito da "hegemonia nos Balcãs", o conflito entre a Inglaterra, a França e a Alemanha (entre todos estes países!) a propósito da sua "política de conquista na Ásia Menor", o conflito austro-italiano a propósito da "aspiração ao domínio" na Albânia, etc. O manifesto define numa palavra todos esses conflitos como conflitos no terreno do "imperialismo capitalista". Deste modo, o manifesto reconhece com toda a clareza o caráter espoliador, imperialista, reacionário, escravista desta guerra, isto é, o caráter que transforma a admissibilidade da defesa da pátria numa insensatez do ponto de vista teórico e num absurdo do ponto de vista prático. Está em curso uma luta dos grandes tubarões para devorar "pátrias" estrangeiras. O manifesto tira as conclusões inevitáveis de fatos históricos indiscutíveis: esta guerra não pode ser "justificada por qualquer pretexto de interesse popular"; ela é preparada "a bem dos lucros dos capitalistas e das ambições das dinastias". Seria "um crime" se os operários "começassem a disparar uns contra os outros". Assim diz o manifesto.

A época do imperialismo capitalista é a época do capitalismo maduro e mais que maduro, do capitalismo que está em vésperas da sua derrocada, que amadureceu o suficiente para dar lugar ao socialismo. O período de 1789 a 1871 foi a época do capitalismo progressista, em que na ordem do dia da história estava o derrube do feudalismo e do absolutismo, a libertação do jugo estrangeiro. Nesse terreno, e só nele era admissível a "defesa da pátria", isto é, a defesa contra a opressão. Este conceito poderia ainda hoje ser aplicado a uma guerra contra as grandes potências imperialistas, mas seria absurdo aplicá-lo à guerra entre as grandes potências imperialistas, à guerra na qual se trata de saber quem pilhará mais os países balcânicos, a Ásia Menor, etc. Não é por isso de espantar que os "socialistas" que reconhecem a "defesa da pátria" na presente guerra evitem o manifesto de Basileia como o ladrão evita o lugar do roubo. É que o manifesto demonstra que eles são sociais-chauvinistas, isto é, socialistas em palavras e chauvinistas na realidade, que ajudam a "sua" burguesia a pilhar países estrangeiros, a subjugar outras nações. O que é essencial na noção de "chauvinismo" é a defesa da "sua" pátria mesmo quando as ações desta visam escravizar as pátrias alheias.

Do reconhecimento de uma guerra como guerra de libertação nacional decorre uma tática, do seu reconhecimento como guerra imperialista decorre outra. O manifesto aponta claramente essa outra tática. A guerra "provocará uma crise econômica e política" que deverá ser "aproveitada": não para atenuar a crise, não para defender a pátria, mas, pelo contrário, para "sacudir" as massas, para "apressar a queda do domínio do capital". Não se pode apressar aquilo cujas condições históricas ainda não amadureceram. O manifesto reconhecia que a revolução social é possível, que as premissas para ela amadureceram, que ela virá precisamente em relação com a guerra: as "classes dominantes" temem "a revolução proletária", declara o manifesto, invocando o exemplo da Comuna de Paris e da revolução de 1905 na Rússia, isto é, os exemplos das greves de massas, da guerra civil. É uma mentira afirmar, como faz Kautsky, que a atitude do socialismo para com esta guerra não foi esclarecida. Esta questão não só foi discutida como foi decidida em Basileia, onde foi adotada a tática da luta proletária revolucionária de massas.

É uma revoltante hipocrisia passar em silêncio, totalmente ou nas partes mais essenciais, o manifesto de Basileia e em lugar dele citar discursos de dirigentes ou resoluções de certos partidos que, em primeiro lugar, foram proferidos antes de Basileia, em segundo lugar não eram decisões dos partidos de todo o mundo, em terceiro lugar referiam-se a diferentes guerras possíveis, mas não à presente guerra. O fundo da questão está em que a época das guerras nacionais entre as grandes potências europeias foi substituída pela época das guerras imperialistas entre elas e em que o manifesto de Basileia teve pela primeira vez de reconhecer oficialmente esse fato.

Seria um erro pensar que o manifesto de Basileia é uma declamação oca, uma fraseologia oficial, uma ameaça pouco séria. É assim que gostariam de apresentar a questão aqueles que esse manifesto desmascara. Mas isso é falso. O manifesto é apenas o resultado de um grande trabalho de propaganda de toda a época da II Internacional, é apenas um resumo de tudo aquilo que os socialistas lançaram entre as massas em centenas de milhares de discursos, artigos e apelos em todas as línguas. Ele apenas repete aquilo que escreveu, por exemplo, Jules Guesde em 1899, quando fustigava o ministerialismo(2)dos socialistas em caso de guerra: ele falava da guerra provocada pelos "piratas capitalistas" (En garde!, p. 175); apenas repete aquilo que escreveu Kautsky em 1909 em O Caminho do Poder, onde reconhecia o fim da época "pacifica" e o início de uma época de guerras e revoluções. Apresentar o manifesto de Basileia como fraseologia ou como um erro significa considerar como fraseologia ou como um erro todo o trabalho socialista nos últimos 25 anos. A contradição entre o manifesto e a sua não aplicação é tão intolerável para os oportunistas e kautskistas porque ela revela a profundíssima contradição no trabalho da II Internacional. O caráter relativamente "pacifico" do período de 1871 a 1914 alimentou o oportunismo primeiro como estado de espírito, depois como tendência e finalmente como grupo ou camada da burocracia operária e dos companheiros de jornada pequeno-burgueses. Estes elementos só podiam submeter o movimento operário reconhecendo em palavras os objetivos revolucionários e a tática revolucionária. Eles só podiam conquistar a confiança das massas através da afirmação solene de que todo o trabalho "pacífico" constitui apenas uma preparação para a revolução proletária. Esta contradição era um abcesso que alguma vez haveria de rebentar, e rebentou. Toda a questão consiste em saber se se deve tentar, como fazem Kautsky e Cia, reintroduzir de novo esse pus no organismo em nome da "unidade" (com o pus) ou se, para ajudar à completa cura do organismo do movimento operário, se deve, o mais depressa possível e o mais cuidadosamente possível, livrá-lo desse pus, apesar da temporária dor aguda causada por esse processo.

E evidente a traição ao socialismo por parte daqueles que votaram pelos créditos de guerra, entraram para os ministérios e advogaram a ideia da defesa da pátria em 1914-1915. Só os hipócritas podem negar este fato. É necessário explicá-lo.

4.7.21

A Formação Ideológica Bolchevique e Suas Transformações

 Vol. II – Cap. III de A luta de classes na URSS

Charles Bettelheim* (1977)

     O papel dominante desempenhado na resolução das lutas de classes pelas intervenções do partido bolchevique na vida política, econômica e social da formação soviética se deve à inserção do partido nestas lutas e ao lugar que ele ocupa no sistema dos aparelhos do poder, ao papel dirigente que é o seu. Este papel significa que as intervenções do partido contribuem para impor um curso determinado à maior parte das lutas, não implica que este curso seja necessariamente o visado por ele. A correspondência do curso e da resolução das lutas, com os objetivos visados pelo partido, depende da adequação à situação real das análises ou da representação desta situação, a partir das quais o partido age e, antes de tudo, das forças sociais que o partido é capaz de ligar à sua política e de mobilizar.


Manifestação bolchevique, julho de 1917.


     Fundamentalmente, a natureza e as formas das intervenções do partido são dominadas pelo sistema de conceitos, de noções, de princípios, de representações etc., que constituem a cada momento — na articulação que é então a sua — a formação ideológica bolchevique. Esta não cai do céu. Ela é o produto histórico das lutas de classes e das lições (justas ou falsas) tiradas destas, assim como das relações políticas existentes no seio do partido e entre o partido e as diferentes classes sociais.

     A formação ideológica bolchevique não é «dada uma vez por todas». É uma realidade social complexa, objetiva, e que se transforma. Realiza-se em práticas e formas de organização, assim como em formulações inscritas em um conjunto de textos. Esta realidade exerce efeitos determinados sobre aqueles a quem ela serve de instrumento de análise ou de interpretação do mundo, e de instrumento de análise ou de interpretação do mundo, e de instrumento destinado a transformá-lo. Estes efeitos têm um caráter diferencial em razão das contradições internas da formação ideológica, da diversidade dos lugares ocupados na formação social por aqueles a quem o bolchevismo serve de guia, e das práticas sociais diferentes nas quais estão inseridas.

     O marxismo-leninismo constitui o fundamento teórico do bolchevismo, mas não se identifica com a formação ideológica bolchevique. Esta, com efeito, é uma realidade contraditória no seio da qual se desenvolve uma luta constante entre o pensamento revolucionário marxista, o marxismo historicamente constituído e diversas correntes ideológicas estranhas ao marxismo, do qual representam uma paródia, pois emprestam dele frequentemente a sua «terminologia».

     As distinções que acabam de ser feitas pedem alguns esclarecimentos: implicam notadamente que não se pode identificar a integralidade da formação ideológica bolchevique ao marxismo-leninismo. Implicam também que não se pode identificar a todo momento o pensamento revolucionário marxista ao marxismo tal como historicamente se constituiu em cada época, na base de uma fusão entre o pensamento revolucionário marxista e o movimento organizado da vanguarda do proletariado. O marxismo assim constituído representa um conjunto sistematizado de conceitos, de representações e de práticas, permitindo ao movimento revolucionário da classe operária, que se identifica com o pensamento de Marx, enfrentar — nas condições concretas nas quais se acha colocado — os seus problemas. Estas sistematizações sucessivas, necessárias à ação, mas comportando elementos mais ou menos improvisados — e correspondendo às exigências reais ou aparentes de uma conjuntura dada da luta de classes — constituem o marxismo de cada época: o da social-democracia alemã, da II Internacional no fim do século XIX e, no início do XX o da III Internacional etc.

O processo de construção socialista e nacional no Cazaquistão e na Ásia Central

  Conclusões atuais Ainur Kurmanov , co-presidente do Movimento Socialista do Cazaquistão Bandeira do Cazaquistão na era soviética. ...